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Pontos facultativos atrapalham a administração pública no país?

Pontos facultativos atrapalham a administração pública no país?

Por meio de decreto, governos "enforcam" feriados, dispensando a obrigatoriedade de funcionamento de órgãos públicos. Medida tão comum, contudo, é cada vez mais controversa

Publicado em 15 de junho de 2019 às 01:47

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(Amarildo)

Na iniciativa privada, todo dia é facultativo

Arilda Teixeira é economista e professora da Fucape

A economia política do Brasil produz folclores como o “jabuti em cima do muro” e a “jabuticaba”, para se referir às anacrônicas decisões públicas, recorrentemente mencionados com risos e ironias.

Emprega-se o primeiro quando se depara com decisões totalmente fora de propósito, como seria encontrar um jabuti em cima de um muro, porque o animal não sobe em muro. Se está lá, alguém o colocou. Para o segundo, quando essa mesma cúpula cria algo ineditamente anacrônico, que só existe aqui. Como a jabuticaba, que só existe no Brasil.

Essas expressões folclóricas, que arrancam sorrisos sarcásticos, são formas coloquiais do cidadão brasileiro criticar a falta de respeito do poder público ao seu dinheiro.

Ao longo de 519 anos, a burocracia pública brasileira vem nos surpreendo com jabutis e jabuticabas. Por exemplo, o ponto facultativo, que dá ao funcionário público o direito de escolher se, em determinado dia, ele irá ou não trabalhar.

Cabe esclarecer que na iniciativa privada, todo dia de trabalho é ponto facultativo. O funcionário não é obrigado a ir trabalhar. Vai se quiser. Mas se ele não for, não será remunerado pelo dia de trabalho e, conforme for o dia da semana que ele faltar, ele perde a remuneração do final de semana.

 Então, ponto facultativo em si não foi invenção do setor público, e não é, nem jabuti, nem jabuticaba.

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O funcionário não é obrigado a ir trabalhar. Vai se quiser. Mas se ele não for, não será remunerado pelo dia de trabalho

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Seu anacronismo está no fato de que, no dia do ponto facultativo, o servidor receber por ele, se for trabalhar e se não for trabalhar. Onde está o anacronismo?

É que o recurso público para remunerar o funcionalismo é obtido da tributação sobre o cidadão. Que é cobrada para que o poder público tenha receitas para gastar com a prestação dos serviços que são de sua obrigação prestar. Quando o poder público garante a remuneração do servidor sem trabalhar, está usando o dinheiro do contribuinte para beneficiar funcionário e não para prestar serviços ao contribuinte. Há uma inversão de valores que desrespeita os direitos do contribuinte.

Onde está o anacronismo do ponto facultativo? Quem recebe o bônus e quem paga o ônus.

Qual o ônus de não ir trabalhar para o servidor? Nenhum.

Qual é o ônus a falta do servidor gera para o contribuinte? O dinheiro do seu imposto foi usado para beneficiar o funcionário público e não o contribuinte.

Qual o bônus para o contribuinte a falta ao serviço do servidor dá? Nenhum.

Qual o bônus para a máquina pública, pela falta do servidor? Nenhum.

Qual o ônus para a máquina pública da falta do servidor? A ociosidade da estrutura administrativa (que tem custo).

Ponto facultativo é um jabuti que foi colocado em cima do muro pelos critérios distorcidos das escolhas públicas; é mais um dos equívocos que ajudam explicar o imbróglio fiscal em que o país se meteu.

Não adianta dar ponto (facultativo) sem nó!

Anderson Pedra é doutor em Direito do Estado e professor da FDV

A cada dia a sociedade exige mais eficiência da administração pública e buscando dar uma resposta a essa pertinente cobrança novas expressões e práticas começam a se incorporar ao vocabulário publicista: governança, Administração 4.0, compliance, gestão de riscos etc. A partir dessa pretendida e necessária disruptura a administração pública burocrática começa a ceder espaço para a administração pública de resultados.

Nesse novo cenário a utilização de planejamento, de indicadores de resultados (com métrica objetiva e clara) e de gerenciamento de desempenho se apresenta como indispensável para a tomada de qualquer decisão estatal. Atualmente a tecnologia permite: reunião virtual, assinatura, processo e gerenciamento eletrônico de documentos, sendo assim, a administração pública, tal como os particulares, começa a incorporar, inclusive, a realização do teletrabalho.

Diante desse contexto, indaga-se: e o ponto facultativo, faz sentido? Como dito, atualmente a própria presença do servidor na repartição pública pode ser dispensada caso suas atribuições possam ser desempenhadas remotamente. Contudo, seja para autorizar o teletrabalho ou para considerar o ponto facultativo, prática comum quando se tem feriados próximos de finais de semana, deve o administrador público verificar os indicadores de resultados diante de uma ou outra hipótese, bem como o desempenho final das metas.

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Sua adoção deve ser realizada de forma fundamentada e com racionalidade, perpassando o gerenciamento dos resultados

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Argumentos de economia de energia elétrica ou de água não devem ser manejados de modo isolado ou absoluto. O que deve ser considerado é o interesse da sociedade, usuária e cliente da administração pública, afinal, não faz sentido afirmar que se está economizando com isso ou aquilo enquanto requerimentos de licenças, de autorizações ou de permissões estão pendentes de análise.

Por vezes a decretação do ponto facultativo vem acompanhada da imposição de compensação da carga horária do dia não trabalhado. Teoricamente isso pode afetar negativamente os indicadores, afinal, a depender da atividade do servidor a compensação pode ser desgastante para sua saúde e também afetar os resultados.

Entendemos que não se pode afastar ou utilizar indiscriminadamente o ponto facultativo. Sua adoção deve ser realizada de forma fundamentada e com racionalidade, perpassando a verificação de indicadores e o gerenciamento dos resultados.

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É possível pensar na utilização do ponto facultativo como uma forma de premiação: caso determinado órgão ou setor atinja determinada meta, seus servidores estarão dispensados de comparecer ao serviço em determinada data. A administração pública deve utilizar os institutos jurídicos existentes para buscar a eficiência e, nesse contexto, o “nó” que tem que ser dado no “ponto facultativo” é atrelá-lo a uma utilização racional a partir dos indicadores de resultados.

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