> >
Condôminos com dívidas devem ser proibidos de usar áreas comuns?

Condôminos com dívidas devem ser proibidos de usar áreas comuns?

Em recente decisão, o STJ decidiu que o condomínio não pode restringir o acesso de moradores inadimplentes às áreas comuns dos edifícios, mas o assunto não é consenso entre especialistas

Publicado em 13 de julho de 2019 às 21:51

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Condôminos com dívidas proibidos de usar áreas comuns de prédios

ALCANCE CORRETO ÀS NORMAS LEGAIS

Luiz Gustavo Tardin é advogado

Em recente decisão, o STJ decidiu que o condomínio não pode restringir o acesso de condôminos inadimplentes às áreas comuns dos edifícios. A decisão toma por base a ausência de previsão legal sobre o tema e declarou inválida a cláusula do regimento interno do condomínio que estabeleça a limitação.

É sabido que a legislação vigente prevê formas para as cobranças de dívidas, sendo que há muito tempo não se permite a “justiça com as próprias mãos”. Com efeito, é a lei que prevê a quais são as penalidades impostas ao devedor.

Aspas de citação

Não se pode admitir o regimento interno do condomínio estabeleça sanções mais graves do que aquelas dispostas em lei, acarretando a ofensa à dignidade daquele que não está em dia com as obrigações pecuniárias

Aspas de citação

Importante esclarecer que, no caso de débitos condominiais, o inadimplente pode vir a perder até mesmo o imóvel residencial, quando o mesmo for penhorado para o pagamento da dívida. Nesses casos, não há proteção legal aos chamados “bens de família”. Portanto, o condomínio tem como garantia do pagamento do débito o imóvel do próprio devedor.

Não se pode admitir o regimento interno do condomínio estabeleça sanções mais graves do que aquelas dispostas em lei, acarretando a ofensa à dignidade daquele que não está em dia com as obrigações pecuniárias.

Pensemos, por exemplo, na situação de condômino inadimplente que tenha filhos pequenos e que precise transportar a criança em carrinho de bebê. Suponha, ainda, que tal morador resida no 13º andar de um edifício. É justo impedir que essas pessoas usem o elevador do prédio? Ainda mais grave, poderia o condomínio estipular vedação ao uso de escadas, já que também constituem área comum?

O exemplo é meramente ilustrativo, na medida em que qualquer que seja a condição do morador o impedimento de acesso às áreas comuns pode acarretar até mesmo violação à liberdade de ir e vir. Afinal, a decisão do STJ não trata apenas do uso de piscina e churrasqueira, mas sim de todas as áreas comuns do condomínio, o que engloba elevadores e até mesmo as escadas.

Aspas de citação

Deixar a cargo do condomínio a modalidade de sanção imposta ao devedor, geraria um ambiente de insegurança jurídica, haja vista a ausência de padronização das penalidades

Aspas de citação

O Código Civil estabelece os deveres do condômino e, no art. 1.336, §1º, está escrito que aquele que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros. Logo, a lei prevê sanções pecuniárias, não se podendo admitir imposição de sanção diversa. Como constou do voto do Ministro Relator, “as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa.”

Deixar a cargo do condomínio a modalidade de sanção imposta ao devedor, geraria um ambiente de insegurança jurídica, haja vista a ausência de padronização das penalidades. Cada condomínio poderia criar a suas próprias regras, com penas brandas e muito severas ao devedor.

Portanto, a decisão do STJ é acertada e dá o alcance correto às normas legais existentes.

DÍVIDA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Roberto Garcia Merçon é advogado

Primeiramente, vale frisar que a dignidade da pessoa humana é diretamente ligada aos direitos e deveres do cidadão. Em 28/05/2019, o STJ, através da Quarta Turma, julgou o REsp 1.699.022/SP, tendo como objeto a proibição do condômino inadimplente ao uso das áreas comuns. O Min. Rel. Luis Felipe Salomão, segundo resumo do julgamento publicado no site da Corte Superior, fundamentou a decisão no inciso II, do art. 1335, do CC, que garante ao condômino o direito de “II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores”, acrescentando que o condomínio não pode impor sanções que não estejam previstas em lei para constranger o devedor ao pagamento do débito, já que referida regra fere a “dignidade do condômino”.

Aspas de citação

Não me venha falar em agressão à “dignidade da pessoa humana”, pois quem paga em dia a cota é que foi agredido na hora que foi onerado pela inadimplência

Aspas de citação

Ocorre que, por outro lado, não podemos esquecer que a mesma legislação suscitada pelo magistrado (Código Civil), prevê que no ato da instituição do condomínio, os próprios condôminos, reunidos em assembleia, com quórum de 2/3 (dois terços), aprovam as regras internas de convivência através da convenção e, dentre elas, conforme inciso IV, do art. 1.334, CC, a Convenção determinará: IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; Valendo lembrar, ainda, que o Inciso I, do art. 1.336, assevera que é dever do condômino contribuir para as despesas na proporção de sua fração ideal ou outra forma estabelecida em convenção.

Logo, uma vez aprovada a regra quando da realização da competente assembleia de condôminos, com o quórum estabelecido na legislação pertinente, data máxima vênia, não vejo motivo justo ou legal, capaz de suprimi-la.

Ora, e não me venha falar em agressão à “dignidade da pessoa humana”, pois, aquele que se priva de determinados prazeres para manter em dia o pagamento da cota é quem foi agredido no momento em que foi onerado pela inadimplência.

Inaceitável, segundo o princípio básico da boa convivência, é um condômino inadimplente, que está devendo R$ 1 mil ou R$ 290 mil, como no caso do processo em comento, reservar o salão de festas para comemorar os 15 anos de uma filha ou, até mesmo manter dois ou três carros em suas vagas de garagem, isso sim agride a dignidade da pessoa que se esforça para manter sua cota parte no rateio das despesas em dia.

Aspas de citação

Os condôminos e o síndico devem sempre se pautar no bom senso, no diálogo e no esgotamento de todas as formas administrativas de solução de conflitos

Aspas de citação

Que o imóvel responde pela dívida, podendo ser penhorado e vendido em leilão público, todos nós sabemos, já que referida regra é bastante antiga e não há inovação nesse quesito. Assim, entendo que, uma vez aprovadas na competente assembleia, com o quórum exigido pela legislação, algumas regras em relação ao inadimplente devem ser preservadas, à exceção daquelas que privam o condômino inadimplente de facilidades para acessar sua unidade habitacional, como no caso dos elevadores, muito diferente do uso do salão de festas, sauna e demais serviços de mero deleite. É bom frisar que, trata-se de interpretação pessoal sobre a matéria.

Finalmente, quero frisar que, para uma convivência harmoniosa em condomínio, os condôminos e o síndico devem sempre se pautar no bom senso, no diálogo e no esgotamento de todas as formas administrativas de solução de conflitos, antes de partirem para um litígio que, como sabemos, além da demora na solução, desagradará uma das partes envolvidas.

Este vídeo pode te interessar

 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais