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Liberação de FGTS é válida para impulsionar a economia?

Liberação de FGTS é válida para impulsionar a economia?

O presidente Jair Bolsonaro confirmou que o governo vai liberar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos trabalhadores para incentivar o consumo e estimular a economia no curto prazo

Publicado em 20 de julho de 2019 às 22:46

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Com reforma, trabalhador aposentado terá FGTS, mas sem direito à multa de 40%. (Arquivo)

 

Fernando Caio Galdi é doutor em Ciências Contábeis pela USP, professor titular da Fucape e comentarista da CBN Vitória

Impulso inicial para a retomada econômica

É fato que a economia brasileira está estagnada. As recentes divulgações da atividade econômica demonstram que 2019 será um ano de crescimento muito inferior ao esperado no início do ano, quando se acreditava em uma evolução do PIB de 2,5%. O último relatório “Focus” emitido pelo Banco Central e representativo das projeções de mercado de mais de cem instituições financeiras e consultorias econômicas aponta para uma expectativa de crescimento do PIB de 0,85% em 2019.

Neste cenário já se considera aprovação da reforma da Previdência e se avalia que que seus efeitos na economia real serão sentidos no médio e longo prazos. Contudo, o que o Brasil precisa neste momento é resolver também a questão do crescimento no curto prazo e provavelmente somente o aumento da confiança com a aprovação da Previdência e com a expectativa da aprovação das outras reformas em andamento pode não ser suficiente.

Assim, uma das medidas anunciadas pela equipe econômica do governo é a possível liberação de parte dos saldos das contas do FGTS de contratos ativos e inativos dos trabalhadores como maneira de impulsionar a retomada do crescimento. No governo Temer foram liberados recursos das contas inativas, ou seja, aquelas que não estavam recebendo mais depósitos.

Na época a medida gerou um impacto positivo de R$ 44 bilhões na economia. Se concretizada a ideia atual de liberação de recursos das contas ativas (contas que recebem depósitos) será uma boa novidade, dado que boa parte das contas inativas foram esvaziadas em 2017. As projeções iniciais indicam uma injeção de até R$ 30 bilhões, o que representa aproximadamente 0,5% do PIB. O que foi ventilado pelo governo representa uma pequena parcela das contas ativas, pois de acordo com o último balancete disponível do FGTS o valor depositado em contas ativas é superior a R$ 400 bilhões.

Importante perceber que enquanto os recursos dos trabalhadores ficam compulsoriamente depositados no FGTS quem mais ganha é o governo. Para se ter uma ideia, o valor contábil dos ativos do FGTS é de mais de R$ 500 bilhões. Estes recursos são captados do trabalhador a uma taxa inferior à de mercado e são destinados em grande parte para operações de crédito realizadas pelo fundo prioritariamente destinadas ao setor público. O governo ainda ganha novamente pois a taxa de administração recebida pela Caixa para a administração do FGTS é a sua maior fonte de receita de serviços, tendo rendido mais de R$ 5 bilhões ao banco no ano passado. Sem a receita gerada pela administração do FGTS o lucro da Caixa cairia pela metade, passando de R$ 10,4 bilhões para R$ 5,2 bilhões em 2018.

Portanto, a liberação do recurso do FGTS nada mais é que devolver ao trabalhador aquilo que lhe é de direito, pois este é um recurso pertencente a ele, mas sem liberdade de movimentação. Com esse recurso nas mãos, os trabalhadores brasileiros terão a liberdade para a sua utilização, possibilitando sua alocação na economia de maneira mais eficiente e dando um impulso inicial para a retomada do crescimento.

Ednilson Silva Felipe é professor do Departamento de Economia da Ufes

Medida de desespero para salvar 2019

Os indicadores da economia brasileira mostram que a sua recuperação, após a recessão de 2014-2016, será mais lenta do que se esperava. Não há, num curto horizonte de tempo, nada para estimular a economia. Parece que estamos no fundo do poço e sem uma corda para sair. As expectativas se deterioraram e levaram a constantes reduções da taxa esperada de crescimento. Esperávamos crescer 2,5% em 2019. Agora caminhamos para algo em torno de 1%, mas há quem aposte numa taxa menor. São 13 milhões de desempregados, e aumenta o número de desalentados, aqueles insatisfeitos com sua condição, ainda que trabalhando.

Em situações de estagnação demorada, abre-se a temporada de sugestões: começam a surgir ideias para estimular o PIB. Não só no governo. Consultorias e escolas de economia começam a apontar o que seria necessário para salvar o ano de 2019. Algumas ideias são boas. Outras perigosas: usar as reservas cambiais para fazer obras públicas é uma delas.

Didaticamente, temos quatro grandes fontes de estímulos ao crescimento: o consumo, os investimentos privados, os gastos públicos e as exportações líquidas. Mas no cenário atual essas variáveis parecem sem forças para aquecer a economia. Nossas exportações vão bem, mas a economia mundial não está crescendo tanto. Não virá daí o que precisamos. As contas públicas estão deficitárias. Mas já se ouve alguém defendendo que o governo gaste mais, ainda que seja um estímulo fiscal moderado. Isso é grave. Os governos quase agonizam, clamando por reformas que lhes dê algum alívio. Os investimentos privados estão diminuindo e só vão aumentar quando melhorar a confiança dos empresários. Isso também não está sendo observado.

Resta então esperar que o consumo puxe o crescimento. Os governos anteriores fizeram isso, principalmente facilitando o crédito. Quando esse secou, o governo Temer liberou o saque nas contas inativas do FGTS para estimular a economia. Foram R$ 35 bilhões no mercado. Ajudou? Sim. Resolveu? Não. Hoje estamos numa situação ainda mais difícil.

A melhor forma de aumentar o consumo é com a redução do desemprego e aumento da renda do consumidor. Isso também não vai acontecer no curto prazo.

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É daí que vem possibilidade de uma segunda liberação do FGTS. Com tudo parado, seria jogar R$ 20 bilhões na economia. Mas se o trabalhador usar o valor para quitar dívidas, o efeito na economia seria reduzido, quase nulo. Uma nova liberação – e agora também das contas ativas, sem inviabilizar o Fundo – não traz riscos para a economia. Pode até ajudar. É menos danoso do que outras propostas. Mas não resolve nosso problema. A analogia é acertada: o Brasil precisa de um voo de águia e essa medida não passa de um voo de galinha. É mais uma medida de desespero de quem não quer um PIB negativo. Mas já está difícil salvar 2019.

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