Quando prerrogativas viram abuso de poder é hora de repensá-las

Uma sociedade que deseje ser mais inclusiva e igualitária deve desde já começar a desnaturalizar atitudes tão nocivas

Publicado em 15/07/2019 às 23h00
 Crédito: Arabson
Crédito: Arabson

No Brasil, o grito dos incluídos – aqueles inseridos em categorias profissionais que exercem mais influência social – historicamente é o mais potente. Se prerrogativas passaram a ser confundidas com privilégios, é justamente pelo mau uso desses direitos, frequentemente ligados a abusos.

O caso mais recente – o do major da PM com sinais de embriaguez que se envolveu em um acidente de trânsito, exigiu a presença de um oficial mais antigo e acabou fugindo do local – foi além da proteção inerente à função militar. Foi, sem meias palavras, uma carteirada. O seu status foi imprescindível para se livrar do flagrante; um outro motorista não teria a mesma “sorte”.

Exageros dessa natureza são tão comuns que o que deveria ser um mero instrumento de defesa usado com parcimônia para impedir perseguições e garantir a liberdade de atuação desses agentes públicos passou a ser algo trivial no comportamento de muitos militares, magistrados, integrantes do Ministério Público, advogados e entes políticos com mandatos eletivos, quando colocados sob suspeição.

Cristalizaram-se, assim, como atributos de uma casta que não se envergonha de suas distinções. A blindagem os coloca acima do cidadão comum, contrariando os preceitos constitucionais que, pelo menos no papel, garantem a igualdade.

O professor de Ética da Universidade Mackenzie, Gerson Leite de Moraes, ouvido pela reportagem deste jornal, fez uma análise precisa com base na própria história nacional: “No Brasil, ficou uma ideia de que todos tradicionalmente lutam por privilégios, não por igualdade de oportunidades ou mesmo por igualdade perante a lei. O resultado disso é que sempre se acatou a força do lobby de determinados grupos na elaboração da legislação”. Basta ver a força de grupos de pressão na tramitação da reforma da Previdência. O direito adquirido é como uma segunda pele para as categorias mais articuladas do país. Ninguém ousa tocá-lo.

Uma sociedade que se pretenda mais inclusiva e igualitária deve desde já começar a desnaturalizar atitudes tão nocivas. É questão de justiça. O abuso das prerrogativas resulta da confusão sobre o seu uso, o que contribui para o fortalecimento do corporativismo que continua impregnado na vida pública brasileira. É algo que deve dizer respeito ao exercício da função, mas que acaba sendo usado em benefício próprio, um inadequado personalismo que já não tem espaço em nenhum país sério.

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