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Juíza defende discutir meios de evitar internação de adolescentes no ES

Juíza defende discutir meios de evitar internação de adolescentes no ES

Patrícia Pereira Neves, da vara da Infância e da Juventude, acredita que também seja necessário um acompanhamento das famílias de menores infratores

Publicado em 19 de setembro de 2018 às 16:21

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar 261 jovens infratores do complexo Uninorte, em Linhares, acendeu uma grande discussão no judiciário capixaba em relação à superlotação de diversas outras unidades de internação.

Em entrevista à jornalista Fernanda Queiroz, da Rádio CBN Vitória (92,5 FM), a juíza coordenadora das Varas da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Patrícia Pereira Neves, defendeu que a discussão aconteça com diversos atores na sociedade para que a internação não seja o último meio, e que muitos dos jovens sejam inseridos em projetos de ressocialização no meio aberto - sem o confinamento.

A juíza também acredita que seja necessário um acompanhamento das famílias de menores infratores, que muitas vezes não estão preparadas para receber os menores, mesmo após o período de três anos - máximo de internação.

Como chegou a essa situação no Estado?

É uma situação que chegamos em cheque e que se imaginava que fosse acontecer algum dia. Nós temos unidades que estão superlotadas e isso acontece em qualquer lugar do Brasil. Foi colocado um percentual de 119% e não é só em relação à unidade Norte, mas as unidades do Estado como um todo. Toda essa crise que foi criada, inclusive no seio da sociedade. Temos que usar como momento para encontrar os melhores caminhos. Até porque o poder judiciário é o poder que tem que manter um equilíbrio e imparcialidade. É uma oportunidade interessante, porque essa medida já tem quase um mês e já foram acontecendo reuniões, estivemos em unidades do Norte para ver a situação, foram acontecendo reuniões da comissão interinstitucional e eu tenho certeza que os outros atores do executivo, da defensoria, o Ministério Público, tem entrado sistematicamente com ações para aumento das unidades e temos duas decisões determinando a construção de uma unidade em Colatina e ampliação e reforma da unidade de Cachoeiro. Mas e quando eles retornam para casa? É necessário que haja uma reunião para dizer o que estamos fazendo e agindo em uma situação de crise. Foi dada uma decisão, não foi criada pela gente, mas o que estamos fazendo para evitar os adolescentes de irem para unidades de internação?

E quais exemplos disso existe no Estado?

A gente tem muitos exemplos exitosos no Estado, alguns municípios que trabalham bem as medidas de meio aberto. Acho que isso tem que ser exposto e colocado. Sabemos que os municípios têm uma dificuldade de receber uma carga de 261 adolescentes infratores, que vão sair até o fim desta semana. Há dificuldade financeira. Mas como construir isso e trabalhar essas famílias? Como estão sendo trabalhadas enquanto os adolescente estão nas unidades? É o momento dos juízes sentarem e ver o que está sendo oferecido, até em resposta de que os juízes terão que pensar em outras formas de sentença. Essa decisão do STF vem dizendo que precisa ser feito mais. Nós estamos perdendo gerações. Precisamos agir de uma forma barata e criativa, para poder tentar resolver a situação.

A solução seria através da audiência pública?

Sim, ouvindo todos os atores até para que eles nos digam: “olha, não há necessidade de uma sentença de internação, nós temos como acolher nesse projeto”. Como trabalhar a dependência química, por exemplo, que leva 90% para as unidades de internação? Como o poder público vai enfrentar as situações que são postas? Acho que isso precisa ser discutido amplamente.

O caminho nas maiores das vezes é se deparar com um menor que se envolveu com um crime e a designação imediatamente é a internação. Quantos por dia passam pela vara da senhora?

Eu não faço processos infracionais há quatro anos, mas eu fazia 20 audiências por dia. Só recebia como internação sendo ato de extrema violência a primeira vez ou aquele que a gente já tivesse tentado umas cinco, seis vezes a ressocialização através do meio aberto. Para onde encaminhamos para dependência química? Não só o infrator, mas seus familiares? Que acompanhamento está sendo dado à família para que ele não retorne ao ambiente familiar que fez ele chegar a essa unidade? Precisamos conversar com polícias, com a saúde, com a assistência. É uma rede, que precisa estar envolvida na decisão.

Tem uma caso do adolescente de 17 anos que foi liberado e cometeu um furto depois sendo que a mãe nem queria que ele fosse liberado por não estar preparado. Quando há um acompanhamento, as chances dele não voltar a cometer delitos são muito grandes?

São, evidentemente. E o grande problema que venho repetindo ao longo dos anos é: a gente discute o estatuto mas ele nunca foi cumprido na íntegra. Precisamos da priorização financeira para as políticas públicas para infância e adolescência. Em segundo estar sempre discutindo com os fóruns responsáveis por isso, como por exemplo o Criade no Estado que formula as políticas, os conselhos municipais e os conselheiros tutelares, que fazem o cumprimento inicial do estatuto… Isso tem que ser fortalecido. Os Creas e Cras precisam ser fortalecidos. Nós temos exemplos de municípios que se dedicaram para ter uma equipe para execução de medidas e a gente sabe que é difícil, e que saem da sala de audiência direto com encaminhamento. Houve esse acordo com juízes e cada município vem tratando de uma forma. A ressocialização tem sido perfeita. Todos os pais pensam que mesmo depois do cumprimento de três anos de internação que a família não está preparada para recebê-los. Uma grande maioria nos coloca nisso. E temos que colocar que não existe prisão perpétua no Brasil, nem para adulto e nem para adolescente.

Em algum momento ele volta…

Em algum momento ele volta para a sociedade e algum momento isso vai ter que ser trabalhado inclusive para que a sociedade não se sinta amedrontada com isso, que tenha mecanismo de acolhimento e de recebimento e de tentativa de transformação da vida. Mas é lógico que os juízes pensam nesta sociedade. Somos juízes dos adolescentes, mas também das vítimas, das crianças que são vítimas e das famílias.

Quando se dá uma decisão dessas, de liberar 260 menores, qual o critério de quem pode e quem não pode voltar?

O único critério que podemos utilizar nesse momento é o seguinte: as unidades tem que ter uma equipe técnica, de assistentes sociais e psicólogos e algumas com pedagogos. As equipes que acompanham os adolescentes fazem um parecer dizendo quem está ou não com progressão de medida. Os juízes receberam os laudos e foram feitas as liberações com base nesses pareceres.

A decisão vale exclusivamente para a unidade Norte ou para todas as unidades de menores do Estado?

A decisão foi com relação à unidade norte, mas nós fizemos um levantamento da situação e vimos que havia superlotação em todo o Estado e a gente já tinha feito uma reunião para tentar reunir os municípios antes da liminar do Supremo, porque um dos objetivos é exatamente o fortalecimento dessa rede para não perder tantos seres humanos e tantas famílias. Estamos perdendo uma geração. Estamos fazendo nossa parte, levando práticas restaurativas para a sociedade, trabalhando as escolas, que eu considero um chão sagrado, que é onde começa qualquer modificação social. Vamos continuar e estamos aguardando todos os atores a fazer sua parte para solucionar isso.

Por que a decisão chegou ao STF? É uma ação de 2015 e sempre tem essa luta contra a superlotação.

O processo de construção das unidades é outro. São duas ações civis públicas do Ministério Público. O que nós tivemos de fato foi um habeas corpus coletivo, impetrado pela Defensoria Pública com relação aos adolescentes de Linhares. Por isso a decisão saiu para a unidade de Linhares. Mas como ele fixou 119% e é um ministro do STF, estamos usando como parâmetro para o resto do Estado.

Em todo o Estado vai ter essa seleção?

A região Sul não tem uma superlotação tão grande porque Linhares atende a 32 municípios, metade do Estado e municípios grandes, onde há problemas de violência. Por isso o tribunal sentenciou a construção de uma unidade em Colatina (Noroeste).

Quanto tempo demora para construir uma unidade?

Uns dois anos, acredito.

Vocês então vão ter que administrar essa superlotação pelos próximos dois anos?

Na verdade a administração não é do poder judiciário, mas vamos auxiliar no que puder para administrar a crise. Sempre houve superlotação. Pode ser que o Supremo queira resolver a situação não só das unidades, mas presídios, como tem várias decisões. Mas deve ser administrado em conjunto, porque não é um assunto de cada instituição, é um assunto da sociedade, porque a violência que permeia vidas é da sociedade, é de todos nós. Não sou só juíza, sou uma cidadã que exerce a função de juíza e vivo nessa sociedade. É interessante ouvir todo mundo.

A audiência pública tem data marcada?

Nós estamos tomando cuidado por causa do período eleitoral, fazer de forma para ter respeito que o eleitor precisa ter. Mas de qualquer forma essa reunião ou audiência pública seria na forma de “o que está sendo feito por vocês na hora de dar uma sentença?”. O juíz se sente perdido, porque para onde encaminhar? Você não tem para onde encaminhar e gostaríamos de saber o que está sendo feito e o que pode ser oferecido para nós para que na hora da sentença não pensar em uma internação e sim no meio aberto, que vai ser efetivo.

Há três municípios em que há acolhimento e participação de projetos?

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Sim. A gente ouviu alguns participantes de projetos que foram contratados como estagiários, que estão fazendo faculdade já. Existem muitos projetos de forma individual e acredito que se a gente juntar forças conseguimos ter um bom resultado dessa crise.

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