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Caso Dondoni: cabeleireiro que perdeu família cara a cara com acusado

Caso Dondoni: cabeleireiro que perdeu família cara a cara com acusado

Dez anos após sepultar os corpos da esposa e dos dois filhos, Ronaldo Andrade recebeu a intimação para comparecer ao julgamento do acusado de ter provocado a tragédia na BR 101

Publicado em 30 de outubro de 2018 às 18:53

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As mãos de Ronaldo Andrade tremiam quando ele assinou o documento (veja o vídeo abaixo) entregue pelo oficial de Justiça na última terça-feira (30). Era o mandado de intimação para comparecer ao julgamento do homem acusado de ser o responsável pela morte de sua família (esposa e dois filhos) em um acidente de carro, há dez anos na BR 101, em Viana, na Região Metropolitana de Vitória.

Sem conter a emoção, Ronaldo desabafou: "É a sensação do início de uma vitória. São 10 anos esperando por esse papel, que agora chegou em minhas mãos".

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São noites e noites de espera por este momento

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O julgamento acontece na manhã da próxima segunda-feira (5), no Fórum de Viana. O comerciante Wagner José Dondoni de Oliveira, sentará no banco dos réus pelo homicídio de Maria Sueli Costa Miranda, do adolescente Rafael Scalfoni Andrade, e do pequeno Ronald Costa Andrade, além da tentativa de homicídio contra Ronaldo, que saiu muito ferido do acidente que pôs fim à história de sua família.

(Gustavo Louzada | Arquivo | GZ)

Uma tragédia que marcou a vida do cabeleireiro, cujo luto ele espera finalizar no momento em que o juiz der a sentença a Dondoni. Enquanto isto não ocorre, ele mantém viva todas as lembranças. Na casa em que ainda vive, em Bela Aurora, Cariacica, nada mudou desde a manhã do dia 20 de abril de 2008, quando saíram de casa bem cedo em direção a Guaçuí, região Sul do Espírito Santo, onde visitariam familiares.

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Até hoje está tudo no mesmo lugar, da mesma forma. Do jeito que minha esposa deixou quando saiu de casa, no dia do acidente, está até hoje. Não mudei nada. Prometi que só mudaria alguma coisa quando ele fosse julgado e condenado. A partir de segunda-feira, se ele for condenado, espero ter alívio em meu coração

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A única vez em que Ronaldo encontrou o homem denunciado pela morte de sua família foi no dia do acidente, 20 de abril de 2008. Na ocasião, Dondoni chegou a ser preso, mas foi solto mediante fiança de R$ 1,2 mil paga com uma vaquinha feita por amigos dele. Desde então, o empresário responde ao processo em liberdade. O próximo encontro será no julgamento. “Eu nunca tive a chance de conversar com ele, e, nesse momento, também nem quero falar. Criei muito rancor da situação. Já tive ódio mortal. Hoje não tenho rancor, mas não quero um segundo perto dele”, relata o cabeleireiro.

O ACIDENTE

No dia 20 de abril, a família de Ronaldo Andrade seguia para a cidade de Guaçuí para uma visita aos familiares. No carro estavam a esposa, Maria Sueli Costa Miranda, de 29 anos, e os filhos Rafael Scalfoni Andrade, 14, e Ronald Costa Andrade, 4 anos. Na altura do quilômetro 304, próximo ao posto Flecha, em Viana, o carro em que viajavam, um Fiat Uno, guiado por Ronaldo, foi atingido pela S10 de Dondoni. Rafael morreu no local. Ronald, horas após ser socorrido. E a mãe, três dias depois. Ronaldo ficou muito machucado.

Mesmo dez horas após o acidente, quando Dondoni foi submetido ao teste de bafômetro, o resultado apontou que o empresário tinha 6,7 decigramas de álcool por litro de sangue. O limite, na época, era de 2 decigramas.

Wagner José Dondoni de Oliveira com uma garrafa de vodca na delegacia. (Gustavo Louzada | Arquivo | GZ)

Antes da tragédia na vida de Ronaldo, um outro acidente havia sido provocado por Dondoni. Dez quilômetros antes de colidir contra o carro do cabeleireiro, Dondoni jogou a S10 que dirigia contra o veículo de uma família de turistas na altura de Seringal, também em Viana. O motorista teve que desviar, e acabou capotando. O empresário fugiu do local sem prestar socorro.

Um pouco antes ainda, Dondoni havia entrado em direção descontrolada em um posto de gasolina, em Guarapari, e quase colidiu contra uma ambulância. O empresário chegou a ser alertado pelos socorristas a não seguir viagem. No dia do acidente, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já tinha sido acionada sobre um motorista que estava ziquezagueando pela pista, mas não chegou a tempo de impedir a tragédia. Os fatos são relatados na denúncia feita pelo Ministério Público do Espírito Santo.

A pronúncia do empresário — a decisão judicial que o levou à júri popular— ocorreu um ano após o acidente, em 2009, mas os recursos acabaram postergando o julgamento. Só este ano, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informar que os recursos apresentados pelo réu não foram aceitos é que o processo foi retomado. Enfrentou ainda dificuldades para que um juiz assumisse o caso, já que todos os que atuam em Viana se deram como impedidos ou suspeitos. Foi necessário que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo indicasse um magistrado, Romilton Alves Vieira Júnior, que marcou para o próximo dia 5 a audiência.

Houve ainda dificuldades para que o réu conseguisse um advogado e, por último até uma testemunha de defesa indicada por Dondoni se recusou a depor e será conduzida de forma coercitiva, por determinação judicial.

ENTREVISTA

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Minha esposa e meus dois filhos morreram, e eu morro a cada dia. A cada minuto que passa, vou morrendo aos poucos

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O que espera do julgamento?

Eu não estou nem dormindo. São 10 anos de espera e conto cada dia, cada segundo. Graças a Deus, chegou a data do julgamento, para dar um pouco de alívio ao meu coração. Tanto ao meu coração, quanto ao de toda a família, que sofre junto. Quero colocar uma pedra nesse luto porque é muito sofrimento. Só quem vive sabe como é esta dor.

Reprodução da foto da esposa e dos filhos de Ronaldo Andrade. (Arquivo A Gazeta)

Como foram os seus dias nesses 10 anos?

Foram dias de sofrimento, colocando a cabeça no travesseiro e imaginando a cena do acidente. Sinto um pouco de revolta também porque até hoje não teve uma solução, um desfecho. Ele sempre recorrendo e a Justiça dando benefícios a ele. Acho que é um benefício porque ele está em liberdade. Agora chegou o momento dele pagar pelo que fez.

Qual lembrança você guarda do dia do acidente?

Lembro das crianças e da minha esposa em casa, todo mundo feliz porque iríamos fazer um passeio. De repente, no início da viagem, foi tudo interrompido. Depois disso foi só derrota na minha vida.

De onde você tira força para superar o trauma?

A força vem de Deus, dos amigos e da família, que é a base de tudo e que está me dando esse suporte. Depois que for batido o martelo da Justiça, acho que vou conseguir descansar. Até hoje eu deito e não descanso.

Qual punição você espera?

Por mim, como ser humano, espero prisão perpétua, mas sei que ela não existe no Código Penal Brasileiro. Então espero que pegue a pena máxima. Que Deus ilumine a cabeça do juiz e dos jurados para que o deixe preso por muitos anos. Ele não estragou só uma vida, ele matou uma família.

Como você vai acompanhar o julgamento?

Com certeza eu iria, mesmo sem a intimação, porque há 10 anos luto por isso. A sensação de vê-lo vai ser muito ruim, eu tenho certeza. Espero que esta seja a última vez que vou vê-lo e que fique trancado pelo resto da vida.

Se você encontrasse o Dondoni, o que diria a ele?

Nunca tive a chance de conversar com ele e agora não quero falar também. Criei muito rancor da situação. Já tive ódio mortal. Hoje não tenho rancor, mas não quero um segundo perto dele.

Você continua morando no mesmo lugar? O que você quer mudar?

Primeiro eu tenho que mudar dentro de mim porque estou parado. Meu coração está estagnado. Eu quero mudar primeiro por dentro, para depois mudar alguma coisa dentro de casa.

Como você imagina que vai se sentir se o Dondoni for condenado?

Vou me sentir aliviado. A dor que está presa aqui dentro só vai sair com o veredicto.

Qual mensagem você deixaria para outras pessoas que perderam familiares em acidentes?

Primeiramente, eu gostaria que ninguém passasse por isso. É uma dor irreparável, uma dor que você morre aos poucos. Minha esposa e meus dois filhos morreram, e eu morro a cada dia. A cada minuto que passa, vou morrendo aos poucos. Agora acho que vou ter um pouco de paz no coração. Para pessoas que passam por esse momento, se apeguem a Deus, aos amigos e à família. Isso vai acalentar um pouco da dor. Não descanso.

A TRAGÉDIA

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Por Arabson

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