Acusado de provocar um acidente com três mortes na BR 101, há dez anos, o empresário Wagner José Dondoni de Oliveira não compareceu ao próprio julgamento, marcado para esta segunda-feira (5), no Fórum de Viana. A ausência do acusado no júri popular causou estranheza em alguns dos presentes. Segundo o advogado do empresário, Rogério Pires Thomaz, Dondoni "se sentiu ameaçado", por isso não compareceu. Mas, afinal: é um direito ou não do acusado ausentar-se? O Gazeta Online conversou com o advogado Ludgero Liberato, que é mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua nas áreas criminal e eleitoral. Ele explica um pouco mais sobre o tema.
AUSENTAR-SE É UM DIREITO?
De acordo com Ludgero, sim. Havia um artigo do Código de Processo Penal que permitia a condição coercitiva do acusado. Em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal declarou que este artigo é incompatível com a Constituição Federal e ficou decidido de que qualquer réu ou acusado tem o direito de não comparecer à audiência como forma de defesa. "Tudo começa com uma pergunta: para que serve o chamado interrogatório do acusado? É uma força do Estado produzir prova ou a forma do acusado se defender?", indaga o profissional.
O plenário, então, declarou a impossibilidade da condição coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, ou seja, qualquer réu tem o direito de silêncio como forma de defesa. "Se ele tem o direito a ficar calado, levá-lo à presença de um juiz para ficar calado seria um constrangimento indevido. O Supremo pacificou a possibilidade de condições coercitivas. O acusado comparece perante ao juiz em sua defesa, se quiser. É um direito e não uma obrigação. É uma das manifestações do direito de defesa", explicou.
A AUSÊNCIA IMPACTA NO JULGAMENTO?
Perguntado se o acusado pode ser beneficiado de alguma forma com o não comparecimento à audiência, Ludgero informou que, ao deixar de ir, o réu abre mão de uma possibilidade de dar a versão dele com as próprias palavras para os jurados. Ele está abrindo mão de um direito de defesa.
Ainda sobre a lei, o advogado reiterou que a única obrigação do Estado é comunicar ao réu quanto à data do julgamento. Se ele comparecer ou não, isso não pode ser utilizado como argumento da acusação para prejudicá-lo. "Inclusive, se isso for utilizado como argumento da acusação para prejudicá-lo, pode causar a nulidade do júri. Caso aconteça, outro julgamento teria que ser marcado e iria demorar mais tempo ainda".
Até 2018, no Código de Processo Penal vigorava uma regra segundo a qual, se o acusado não comparecesse à audiência, seria conduzido à força até o tribunal. A partir de junho deste ano, o STF entendeu a incompatibilidade com a Constituição.
O ACIDENTE
No dia 20 de abril, a família de Ronaldo Andrade seguia para Guaçuí, no Sul do Estado, para uma visita aos familiares. No carro estavam a esposa, Maria Sueli Costa Miranda, de 29 anos, e os filhos Rafael Scalfoni Andrade, 14, e Ronald Costa Andrade, 4 anos. Na altura do km 304, próximo ao posto Flecha, em Viana, o carro em que viajavam, um Fiat Uno, guiado por Ronaldo, foi atingido pela S10 de Dondoni. Rafael morreu no local. Ronald, horas após ser socorrido. E a mãe, três dias depois. Ronaldo ficou muito machucado.
Dez horas após o acidente Dondoni foi submetido ao teste etílico, que apontou 6,7 decigramas de álcool por litro de sangue. O limite, na época, era de 2 decigramas de álcool por litro de sangue. O comerciante, que chegou a ser preso após o acidente, foi solto mediante o pagamento de fiança de R$ 2, mil obtido por intermédio de uma vaquinha realizada pelos amigos.
Dez quilômetros antes Dondoni já havia provocado outro acidente, ao jogar a S10 contra o carro de uma família de turista na altura de Seringal, que teve que desviar e acabou capotando. Ele fugiu do local sem prestar socorro. Um pouco antes ele entrou descontrolado em um posto de gasolina, em Guarapari, e quase colidiu com uma ambulância. Chegou a ser alertado pelos socorristas a não seguir viagem. No dia do acidente a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já tinha sido acionada sobre um motorista que estava ziquezagueando pela pista, mas não chegou a tempo de impedir a tragédia.
A pronúncia do comerciante - a decisão judicial que o levou à Júri Popular - ocorreu um ano após o acidente, em 2009, mas os recursos acabaram postergando o julgamento. Só este ano, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informar que os recursos apresentados pelo réu não foram aceitos é que o processo foi retomado. Enfrentou ainda dificuldades para que um juiz assumisse o caso, já que todos os que atuam em Viana se deram como impedidos ou suspeitos. Foi necessário que o Tribunal de Justiça do Estado indicasse um magistrado, Romilton Alves Vieira Júnior.
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