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Frade jogou praga em invasores do Convento da Penha e deu certo

Frade jogou praga em invasores do Convento da Penha e deu certo

O escritor Francisco Aurélio Ribeiro conta várias histórias sobre o santuário e, entre elas, fala do quadro que veio com frei Pedro Palácios de Portugal em 1558 e está no Convento até hoje

Publicado em 20 de abril de 2019 às 23:02

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Mais do que um local de oração, o Convento da Penha era uma fortaleza para os menos de 200 moradores da então Vila do Espírito Santo. As lutas contra os invasores, que já viraram quadros e são fonte de lendas, fazem parte da história do santuário. Aliás, história é o que não falta por lá desde a chegada do frei Pedro Palácios, na Prainha, em 1558.

Uma delas é bem curiosa. Os holandeses roubaram a imagem original do Menino Jesus que ficava junto à santa que veio de Portugal em 1569 e está no Convento até hoje. O frei Francisco da Madre de Deus, que era o guardião do santuário na época, jogou uma praga nos invasores, em 1653.

"O frade falou: 'Vocês podem levar, mas vocês nem vão acabar de chegar lá, vão perder a batalha e ter que ir embora do Brasil'. Não deu outra", diz o presidente da Academia Espírito-santense de Letras, Francisco Aurelio Ribeiro.

CASTELO MEDIEVAL

Nem todos sabem, mas o Convento é a construção de um castelo medieval e é a única igreja do período colonial feita para defesa da população e não apenas para culto, de acordo com Ribeiro, que também é professor aposentado da Ufes e autor do livro "O Convento da Penha. Fé e Religiosidade do Povo Capixaba".

CABELO DA SANTA

Em conversa com o Gazeta Online, o escritor conta que o cabelo da imagem original da santa era doado por famílias capixabas como pagamento de promessa. Lembra também que o local escolhido para ser o santuário é fruto de um sonho do frei Pedro Palácios, que chegou ao Estado por acaso. Explica ainda por que a devoção à Nossa Senhora caiu no gosto do moradores locais e defende que o Convento seja considerado patrimônio da humanidade.

A ENTREVISTA

Por que Nossa Senhora ganhou a devoção dos moradores do ES?

A população era mestiça de índios, a maior parte, negros escravos e portugueses. Em todos havia um substrato (resíduo) de crença numa divindade feminina. Tupanci era a mãe de Deus, para os nativos. Portanto, houve eco na população para se criar um culto à Maria.

Qual é a relação do senhor com o Convento da Penha?

O Convento é, para mim, o principal símbolo da história capixaba, da fé e da devoção do povo na Mãe de Deus.

Estudando sobre o Convento, qual história mais chama a atenção do senhor?

Aquela lenda do quadro que sempre aparecia. O frei Pedro Palácios trouxe um quadro, que está lá no Convento. É o quadro de Nossa Senhora das Alegrias. Dizem que ele teve um sonho e procurava um local onde pudesse fazer uma igreja para colocar aquele quadro. Só isso já tem um dado histórico interessante, porque foi em 1558, então foi o primeiro quadro de Nossa Senhora trazido para o Brasil. Esse quadro está no Convento até hoje. São mais de 460 anos que esse quadro foi trazido e está lá. Já a imagem original foi encomendada em Portugal a um santeiro.

A imagem original também está no Convento.

Essa imagem é de 1569. Em 1570, teve a primeira Festa da Penha. Quando o frei Pedro Palácios fez a primeira festa, ele morreu. Cumpriu a missão dele. Embora ele não tenha sido canonizado, o frei Pedro Palácios foi o primeiro santo que teve aqui. Antes até de Anchieta (José de Anchieta). Anchieta o conheceu e tinha devoção por ele, achava que ele era um homem piedoso, um homem santo. O quadro saiu da Europa, porque frei Pedro era espanhol e foi para Portugal. De Portugal veio para o Brasil. Primeiro para Salvador, que era a Capital do país, trazendo aquele quadro. Aí dizem que nessa viagem de Salvador para o Sul, quando ele passou aqui em frente de onde hoje é o Convento e viu duas palmeiras, falou: 'Esse é o lugar do meu sonho'. Então aqui desceu e nunca mais saiu.

Foi assim que o frade chegou aqui?

Sim, ele chegou na Prainha, em 1558, e com esse quadro. Ele morava em uma gruta na antiga entrada do Convento. Morava junto com um cachorro - há várias lendas com esse cachorro - e um negro que foi dado para ele, provavelmente um escravo velho, para ajudá-lo. O interessante sobre essa história do quadro é que, chegando aqui, ele encontrou esse tal lugar sagrado para construir essa igreja. Ele sonhou com isso quando estava na Europa, mas ele não sabia onde era, só que era no Brasil. Quando chegou na Prainha, Vila Velha se chamava Vila do Espírito Santo. E Vitória, que foi fundada depois - um pouco antes de ele chegar -, se chamava Vila Nova do Espírito Santo. O nome de Vitória só apareceu muito depois.

Onde ficou o quadro?

Na parte baixa, onde ele vivia. Frei Pedro Palácios colocou o quadro em cima de uma pedra e convocava a população para rezar para Nossa Senhora o terço e a Ave-Maria. Acontece que esse quadro sumia e aparecia lá em cima. Ele trazia e o quadro sumia de novo. Até que ele falou: 'Bom, se o quadro quer ficar lá é porque lá que tem que ser a morada'. Primeiro ele construiu uma igrejinha, que naquela época se chamava de ermida. O Convento mesmo, como nós conhecemos, foi construído depois. Ele é da época do espanhóis. Mas a primeira igrejinha foi ele quem construiu.

É a de São Francisco no Campinho?

Isso.

Esse quadro está dentro do Convento?

Fica dentro santuário. A primeira imagem fica no altar-mor, ela veio de Portugal. Você sabe que ela é uma imagem de roca? Ela não tem corpo. Ela só tem a cabeça, as mãos e os pés. Ali por baixo tem uma armação de madeira, que é corroída com o tempo e eles trocam. E tem a roupa. Não é uma imagem inteira. Ela não é toda esculpida. A roupa eles vão trocando ao longo dos anos. Tem também uma lenda interessante sobre o cabelo.

Que lenda é essa?

É o seguinte. Os cabelos de Nossa Senhora são de gente. E tem uma tradição de se trocar esses cabelos de tempos em tempos. Até 1920, 1930, a mulher não cortava o cabelo. Então havia uma tradição de quando se fazia uma promessa à Nossa Senhora da Penha para poder arranjar um bom casamento ou qualquer coisa desse tipo, as meninas doavam o cabelo para a imagem de Nossa Senhora da Penha.

Escritora Maria Stella de Novaes. 

O mais bacana é que a Stella de Novaes, que foi a nossa primeira historiadora, quando ela era menina, a família dela era muito religiosa. Parece que ela teve uma doença na infância e a mãe fez uma promessa que se ela curasse, doaria os cabelos dela para Nossa Senhora da Penha. Ela curou e a mãe cortou os cabelos para fazer a peruca para Nossa Senhora. Ela ficou muito triste, chorou. Aí uma empregada deles, que era uma negra, disse para ela assim: 'Stelinha, você não chora não, porque você doou os seus cabelos para Nossa Senhora, mas ela vai te dar uma grande cabeça'. E a Stelinha se tornou a nossa primeira mulher intelectual. Ela escreveu mais de 100 livros, inclusive escreveu a história do Convento da Penha, a história do Espírito Santo. Tem um filme que chama o 'Relicário da Penha' e começa o vídeo contando essa história da Maria Stella de Novaes. Parece que os cabelos da santa ainda são os dela.

Também tem uma história sobre o Menino Jesus da imagem original?

O Menino Jesus do colo da imagem original de Nossa Senhora da Penha foi roubado pelos holandeses. Tem uma história interessante também. Quando os holandeses invadiram o Convento, no século XVII, eles roubaram o Menino Jesus, que é interiço, não é de roca. Ele pode ser conduzido. Os holandeses queriam a coroa, as coisas que representavam valor. A imagem da santa não representava valor para eles. Roubaram o Jesus e falaram: 'Vamos levar ele para brincar com o outro que tem no Recife'. Os holandeses tinham tomado o Recife. Ficaram lá durante muitos anos. À época do Mauricio Nassau. Os holandeses nunca conseguiram tomar Vitória, mas o Convento da Penha, sim. Saquearam o Convento da Penha, que era mais desprotegido.

É dessa época a lenda dos soldados que saíram do céu para defender o Convento?

Sim. Em uma dessas batalhas contra os holandeses. Tiveram outras tentativas. Inclusive dizem que o primeiro quadro de pintura que retrata uma guerra no Brasil, ou seja, é uma pintura épica, é exatamente a luta entre portugueses e holandeses com o Convento da Penha ao fundo.

O quadro está em que local?

O quadro está muito bem reproduzido no livro "História do Estado do Espírito Santo", e está no Rio de Janeiro. Pertence à coleção de Marco Carneiro de Mendonça.

E a praga do frade?

Os holandeses levaram o Menino Jesus. O frei Francisco da Madre de Deus, que era o guardião do Convento da época, jogou uma praga neles, em 1653. O frade falou: 'Vocês podem levar, mas vocês nem vão acabar de chegar lá, vão perder a batalha e ter que ir embora do Brasil'. Não deu outra. Os holandeses ficaram no Brasil de 1624 a 1654, por 30 anos. Houve três tentativas de invasão dos holandeses a Vitória, 1624, 1640 e 1653. Na primeira, ocorreu o episódio de Maria Ortiz; na segunda, a lenda dos soldados que desceram do céu e na terceira o saque ao Convento, as suas relíquias e à imagem do Menino Jesus. Em 1654, os holandeses foram definitivamente derrotados. A Stelinha (a escritora) conta que houve essa praga do frade guardião do Convento. Também não se sabe se essa imagem foi devolvida. Substituíram por outra, provavelmente na mesma época.

O Convento era uma fortaleza para os moradores de Vila Velha? Poucas pessoas moravam na cidade na época?

A população de Vila Velha não passava de 200 pessoas. Vila Velha era uma aldeia de pescador no século VXII. Nesse período, grande parte da população do Espírito Santo morava em Vitória, que era uma cidade protegida. Tinha a Vila do Espírito Santo e a Vila Nova do Espírito Santo. Depois que foi fundada Guarapari, Nova Almeida... As outras aldeias todas ligadas a aldeias indígenas, fundadas pelos jesuítas.

Qual era a principal função do Convento da Penha quando ele foi construído?

Culto à Maria, proteção dos habitantes, abrigo e moradia dos missionários franciscanos. Também serviu de centro de estudos da língua indígena, junto com o Colégio dos Jesuítas, em Vitória.

Por que o Convento deve ser considerado um patrimônio da humanidade?

Porque ele é único em sua forma e em sua história. É o registro de um tempo e de uma cultura, inigualável, se o compararmos a todos os outros.

E o que falta para que isso aconteça?

É preciso conscientização de todos dessa importância e que órgãos locais apresentem essa demanda ao Serviço de Patrimônio Histórico, para que seja encaminhada à Unesco.

O que a arquitetura do Convento tem de diferente das demais igrejas?

Ela tem a construção de um castelo medieval e é a única igreja do período colonial feita para defesa da população e não apenas para culto. Foi erigida no período de dominação espanhola, época das guerras contra Holanda, França e Inglaterra.

Dizem que uma pessoa caiu em uma Festa da Penha de 1980 no despenhadeiro que fica para o quartel do 38ºBI, não sofrendo nenhum arranhão. Já ouviu falar de histórias assim?

Este vídeo pode te interessar

Já e é possível. Não sei se foi milagre ou acaso, mas isso pode acontecer. No livro "História Popular do Convento da Penha", de Guilherme Santos Neves, 1958, há o relato de um pedreiro que caiu do andaime, na construção da ermida da Penha e que foi salvo por milagre. Nesse livro também há muitos outros relatos de milagres.

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