A vida no lixo

Catadores ficaram órfãos do lixão e sem rendimentos

Em Pedro Canário, o lixão foi fechado e os catadores receberiam uma bolsa até o fim da obra de uma usina de reciclagem. Mas o benefício foi cortado e a usina não ficou pronta

Publicado em 19/11/2017 às 06h39

Texto: Luisa Torre, Mikaella Campos e Natália Bourguignon

Fotos: Marcelo Prest

“Era minha paixão aquele lixo. Minha casa todinha eu fiz tirando o sustento do lixo. É covardia o que fizeram com nós.”

O desabafo de Esmeralda Santana Vieira, de 53 anos, é o sentimento de um grupo de 25 famílias, moradores de Camata, um bairro pobre de Pedro Canário, no Extremo Norte do Estado. Há cerca de três anos, o lixão da cidade foi cercado e os portões, fechados para quem tirava dali seu sustento.

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Pegaram nosso nome, endereço, mas ficam enrolando para montar a associação e terminar a usina. Está só na promessa
Marly Tavares dos Santos

A eles, foi prometido um salário mínimo todo mês provisoriamente, até a abertura de uma usina de reciclagem no local. O acordo funcionou até janeiro deste ano, quando, diante do agravamento da crise fiscal, a prefeitura cortou o benefício. Ficaram abandonados a própria sorte, órfãos do lixão. E até a fome passou a assombrá-los, conta Ariosvaldo de Jesus, de 63 anos.

Data: 10/08/2017 - ES - Pedro Canário - Especial - Catadores clandestinos ignoram a proibição de entrarem no extinto lixão para catarem materiais - Editoria: Economia - Foto: Marcelo Prest - GZ Foto: Marcelo Prest
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Data: 10/08/2017 - ES - Pedro Canário - Especial - Luciene Maria de Oliveira Santos de camiseta azul com listras brancas conduz outros antigos catadores ao extinto lixão do município - Editoria: Economia - Foto: Marcelo Prest - GZ Foto: Marcelo Prest
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“Tenho osteoporose e estou devendo dois meses de farmácia. Estou passando fome”, conta ele.

Os tempos no lixão foram tempos de fartura, ressalta Maria do Carmo Oliveira, de 72 anos. “A gente trabalhava lá e faturava até R$ 2 mil por mês. Eu murei todo meu terreno com o dinheiro da reciclagem. Lá a gente ganhava bem. Agora a gente não está ganhando nada”, dispara.

O valor parece alto, mas todos os catadores garantem que este era o rendimento médio por mês. No meio das sacolas, plásticos, garrafas Pet, latinhas e outros eram separados e vendidos, garantindo a sobrevivência das famílias.

Na época do fechamento do lixão, a prefeitura informou que quem invadisse o espaço, seria preso. Com a ameaça, as famílias passaram a observar apenas de longe as montanhas de sacolas que a prefeitura continua, até hoje, jogando no local.

PELA METADE

Em cidades como Pedro Canário, a política de resíduos sólidos só foi cumprida em parte: apenas os trabalhadores foram retirados da cata nesses ambientes insalubres. Deixaram de lado, todavia, o restante da legislação que os obriga a criar mecanismos para incluir esses profissionais no processo da coleta seletiva.

São pessoas com baixa escolaridade, descartadas pelo mercado formal de trabalho por falta de qualificação, e que viam no lixo uma garantia de renda, mas hoje não sabem como sobreviver.

No local, a prefeitura constrói uma usina de reciclagem que será usado pelos catadores. A promessa é para dezembro. Enquanto a obra não fica pronta, esses trabalhadores não têm de onde tirar o seu sustento.

Até depressão deu em mim depois que fecharam lá. Era minha paixão aquele lixo. Foi covardia o que fizeram
Esmeralda Santana

Para Luciene Maria de Oliveira Santos, de 58 anos, eles são, de fato, “órfãos” do lixão. “Tudo que eu tenho tirei de lá. Agora está difícil”, lamenta.

Agora a prefeitura tenta mobilizar o grupo para formar uma associação. Fabiana Tavares dos Santos, filha de Marly Tavares dos Santos foi escolhida presidente. “Pegaram nosso nome, endereço, mas ficam enrolando para montar a associação e terminar a usina. Está só na promessa”, diz Marly.

Apesar de uma cerca ter sido colocada no lixão para barrar os catadores, muitos entram de forma clandestina no terreno, por meio de aberturas na grade, em busca de produtos que podem ser vendidos. São pessoas que afirmam não ter outra opção. Em uma tarde, a reportagem flagrou 6 pessoas catando materiais no local.

”Procurei emprego até na Bahia, nas cidades aqui perto também. Mas não tem nada na roça nem de pedreiro. Decidi vir para cá catar”, conta um dos trabalhadores clandestinos, que não quis se identificar.

A Prefeitura de Pedro Canário informou que havia um equívoco no procedimento que era adotado para o repasse de um auxílio aos catadores, e por isso ele foi cortado.

A associação de catadores, que terá 19 famílias, está em fase final de regulamentação, e depende de inscrição estadual, informou a municipalidade. Deverá funcionar já no início de 2018. Além disso, a coleta seletiva será implantada para que os trabalhadores possam receber materiais.

"É RIQUEZA QUE ESTÁ ENTERRADA ALI"

Esmeralda Santana Vieira, de 53 anos (de laranja), e Luciene Maria de Oliveira Santos, de 58 (de azul), viviam da cata de materiais recicláveis do lixão de Pedro Canário. Esmeralda chora ao falar do lixão, local de trabalho que lhe foi tirado.

“Até depressão deu em mim depois que fecharam lá. Era minha paixão aquele lixo. Foi covardia o que fizeram com nós”, diz ela, se referindo ao fechamento do aterro e ao corte da bolsa que eles recebiam provisoriamente, até a abertura da usina de reciclagem no local. “Eu quero trabalhar. Ia ter alegria se voltasse a trabalhar, a tirar meu sustento”, diz ela.

Para Luciene, o grupo se sente órfão do lixão. “Tudo que eu tenho tirei de lá. Agora está difícil.”