A vida no lixo

Municípios que dão bons exemplos na gestão do lixo

Em cidades onde as associações são contratadas para fazer a coleta seletiva, os catadores têm boas condições de trabalho e recebem salários até acima do mínimo

Publicado em 22/11/2017 às 12h45

Texto: Luísa Torre, Mikaella Campos e Natalia Bourguignon

Fotos: Marcelo Prest

Dar uma destinação ambientalmente adequada ao lixo produzido pelos municípios, implantar uma coleta seletiva eficiente e gerar renda para trabalhadores que separam materiais recicláveis. Esses são os desafios que estão postos aos municípios, instituídos a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010). Alguns, no entanto, já estão mais à frente que outros quando o assunto é reciclagem.

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Um bom exemplo do Estado está em Iconha. Em um galpão na saída da cidade, 7 associados trabalham separando o lixo seco. Ali, todos são microempreendedores individuais (MEI) e há um contrato mensal de R$ 10,5 mil com a prefeitura para prestação do serviço de coleta seletiva e também de educação ambiental. A coleta é feita porta a porta, e também há ecopontos na cidade.

O trabalho de conscientização sobre a separação do lixo começou há dois anos, com propaganda em rádios, através de panfletos e nas contas de água. Além disso, visitas presenciais nas casas e em escolas são feitas de tempos em tempos.

"Nós separamos 20 materiais. Tiramos em média R$ 1,2 mil por mês. Não temos 13º, mas a venda da carga ajuda. Dois associados fazem a coleta e o caminhão e o motorista é da prefeitura. Acho que o nosso trabalho é bom, gera emprego e é bom para o meio ambiente", relata a presidente da associação de catadores de Iconha, Chirlene Guio, de 33 anos.

 

 

Embora funcione bem hoje, ainda há desafios. "Hoje entra pouco material para a associação. A maior parte dos resíduos, acredito que 80%, não chega. Poderíamos gerar mais empregos se tivesse mais material", lamenta.

Em Mucurici, a própria associação faz a coleta e a triagem do lixo do município. A coleta seletiva está começando, e o lixo chega misturado ao galpão. Cerca de 30% a 40% vira rejeito. A associada Fernanda Vieira Sena, de 26 anos, conta que cada um dos 6 catadores recebe R$ 1.625 por mês, graças a um contrato com a prefeitura. A venda dos materiais, que só é feita de 6 em 6 meses já que o volume de lixo é baixo por lá, é o 13º dos associados.

“Separamos mais de 30 materiais. O mais caro é latinha, que a gente guarda numa sala com cadeado, porque é ouro. O menor valor é da caixa de leite. O nosso principal problema é que não temos galpão, e os fardos ficam ao ar livre, o que diminui o valor deles”, conta.

Apesar de ser considerado um bom exemplo de associação, ainda há problemas. Na parte de trás do terreno há uma célula, ou seja, um buraco onde se deposita rejeitos sem licenciamento ambiental. “Estamos tentando encontrar uma solução. O ideal é trazer um conteiner para armazenar e levar o material”, pontua Fernanda.

MODELO

Mais de 30 prefeituras do Estado já fizeram contratos com associações de catadores dos municípios, como em Iconha e em Mucurici, de acordo com o coordenador-geral do Instituto Sindimicro, Hugo Tofoli. Segundo pesquisa da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes), os catadores cujas associações têm contrato de coleta seletiva com as gestões municipais recebem entre R$ 700 e R$ 1.100.

“São Gabriel da Palha foi o primeiro município do Estado a ter um contrato com a associação local. Hoje cidades como Irupi, Iúna, Guaçuí também têm. Em Guaçuí, quando iam fechar o lixão, chegaram a dar uma bolsa para os catadores, depois qualificaram e virou um contrato”, conta.

O modelo ideal para associações de catadores de recicláveis, explica a diretora-presidente do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema), Andreia Carvalho, é que o lixo seco e o úmido seja separado pela população. Apenas os resíduos secos deveriam ser destinados às associações, que precisam ter que ter um galpão, com esteira para que os catadores possam fazer a separação dos materiais por tipo – papel, plástico, vidro, metal. Esses resíduos são levados a uma prensa, que forma fardos quadrados. Dali, o material é comercializado.

“A sociedade precisa compreender que existem pessoas que necessitam desse material limpo para gerar renda, além de melhorar a qualidade ambiental”, explica.

No entanto, há locais onde os dois tipos de resíduos chegam que são considerado referência no Estado. No município de Montanha, no Norte do Estado, uma usina de triagem e compostagem recebe todos os resíduos do município, a serem tratados por 33 funcionários, entre servidores e contratados. Nas segundas, quartas e sábados, o resíduo que chega é úmido. Nas terças, quintas e sextas-feiras, eles recebem resíduos secos.

São 23 tipos de materiais recicláveis separados no local. O material que vira fardo é leiloado e vendido por lote. Já as garrafas pet viram vassouras que serão usadas na limpeza pública do município. E o lixo orgânico vira adubo.

“Aqui nós fazemos o reaproveitamento de muitos materiais. Isso diminui o impacto ambiental”, comenta a coordenadora da usina Marcia Maria Santos de Souza, de 41 anos.

Do lixo que chega à usina, cerca de 50% do volume vira rejeito. Rejeito é o resíduo que não pode mais ser aproveitado e tem que ser aterrado.

Há 6 anos a triadora Maria Deuzenir Gomes da Silva, de 52 anos, trabalha na usina. Ela é concursada e recebe um salário mínimo mais 40% de insalubridade, uma remuneração em torno de R$ 1.300. Para ela, o trabalho com o lixo “é tão digno quanto qualquer outro”. “Lá fora as pessoas veem o lixo com outros olhos. Ele é fonte de riqueza, além de nosso trabalho manter a cidade limpa e sustentar famílias. O lixo seco vem misturado, às vezes. Se o pessoal fosse menos cabeça dura, iria ser melhor.”

A falta de educação ambiental e de conhecimento sobre a coleta seletiva é um dos principais problemas que os trabalhadores do lixo enfrentam. Um material reciclável muitas vezes perde seu valor de venda por estar contaminado com resíduos úmidos. Por isso é tão importante separar o lixo.