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Discurso de endurecimento penal de Bolsonaro esbarra em decisões do STF

Discurso de endurecimento penal de Bolsonaro esbarra em decisões do STF

Ministros da Corte ouvidos pelo GLOBO disseram que não mudarão a jurisprudência com o novo governo

Publicado em 5 de novembro de 2018 às 10:37

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Ministros do Supremo Tribunal Federal . (Nelson Jr./SCO/STF)

Em 9 de outubro, dois dias após o primeiro turno da eleição presidencial, em entrevista à rádio Jovem Pan, o então presidenciável Jair Bolsonaro anunciou: “Vamos entupir a cadeia de bandidos. Está ruim? É só não fazer besteira. Eu prefiro a cadeia cheia de bandidos que o cemitério cheio de inocentes”. A retórica flamejante da campanha ao Planalto do presidente eleito tromba com uma decisão de fevereiro de 2017 do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ocasião, a Corte decidiu, por sete votos a três, que o poder público tem a obrigação de indenizar presos em estabelecimentos superlotados. Nesse mesmo julgamento, os ministros declararam o “estado de coisas inconstitucional” dos presídios brasileiros, pelas condições precárias em que os detentos vivem.

Esse é apenas um exemplo da discrepância do discurso de endurecimento penal de Bolsonaro e decisões tomadas nos últimos anos pelo STF. Ministros da Corte ouvidos pelo GLOBO disseram que não mudarão a jurisprudência com o novo governo.

Segundo um ministro do STF, o endurecimento penal defendido pelo presidente eleito vai encontrar uma barreira no Supremo porque a superlotação dos presídios não permite uma política de encarceramento maciço. Dessa posição, segundo esse ministro, o Supremo não irá recuar.

Diante de decisões do Palácio do Planalto ou do Congresso que entrem em choque com o entendimento já fixado pelo tribunal, caberá à oposição, ou à Procuradoria-Geral da República (PGR), ajuizar ação na Corte para tentar reverter a medida. No julgamento, a posição tomada antes do governo Bolsonaro deve ser mantida pelo plenário.

Em fevereiro deste ano, o presidente eleito disse à Jovem Pan que não seria necessário criar mais vagas em presídios: “Quem falou que não tem vaga? Bota um em cima do outro”. A declaração vai contra outro entendimento do STF. Em 2015, a Corte decidiu que juízes do país podem determinar que o poder público faça reformas em presídios para garantir mais vagas, além da integridade física e moral dos detentos. Segundo ponderou outro ministro da Corte, Bolsonaro pode até tomar iniciativas para endurecer a lei penal, mas precisará criar mais vagas para viabilizá-las.

"TEM QUE ACABAR COM ISSO"

Em junho, durante uma sabatina do jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro defendeu o fim das audiências de custódia, em que um preso, até 24 horas após a prisão, é levado à presença de um juiz. O objetivo é verificar se houve maus tratos ao preso. A medida também serve para avaliar se o suspeito precisa ficar detido, ou se pode responder ao processo em liberdade. As audiências de custódia contribuem para evitar a superlotação das cadeias e a prática de abusos por policiais.

— Eu acho que a chance de alguém que pratica um furto ficar detido é zero com a audiência de custódia. Tem de acabar com isso. E não vem com essa historinha “ah, os presídios são cheios e não recuperam ninguém”. É problema de quem cometeu o crime — disse Bolsonaro.

Em setembro de 2015, o STF decidiu que os juízes e tribunais de todo o país realizem as audiências de custódia até 24 horas após a prisão. No julgamento, os ministros afirmaram que a prisão provisória deveria ser eventual, e não uma regra. Eles alertaram para o fato de que há pessoas presas por anos sem terem sido condenadas.

Outro foco de potencial conflito entre Bolsonaro e o STF é a progressão de penas. Para o presidente eleito, a regra precisa acabar. Ou seja, por ele, se alguém for preso no regime fechado, não poderá progredir para o regime semiaberto depois de cumprido um sexto da pena, como estabelece a Lei de Execução Penal. O programa de governo de Bolsonaro é explícito: “Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias! ”

PONTO DE CONCORDÂNCIA

Em fevereiro de 2006, por seis votos a cinco, o plenário do STF derrubou um artigo da Lei de Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime para quem praticar crimes graves. Embora a decisão tenha sido tomada há 12 anos, a tendência da Corte de hoje, que tem novos integrantes, é manter o entendimento.

Para a maioria do STF, a regra anterior afrontava o princípio da individualização da pena, expresso na Constituição Federal. Segundo a jurisprudência, cabe apenas ao juiz de execução definir se o preso pode ou não ser transferido para um regime mais brando do cumprimento da pena, a depender do comportamento dele.

Há temas penais propostos por Bolsonaro que ainda não foram julgados pelo STF, mas que podem representar choques entre Executivo e Judiciário. Um deles é a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Em caráter reservado, ministros dizem que a tendência é que a proposta seja derrubada em plenário.

Por outro lado, Bolsonaro tem o pensamento afinado com o STF quando o assunto é a prisão de réus depois da condenação confirmada por um tribunal de segunda instância. Como parlamentar, ele é coautor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece a regra. Em 2016, o plenário estabeleceu como regra que condenados em segunda instância já podem começar a cumprir pena. O assunto deve voltar a ser julgado no plenário da Corte no primeiro semestre de 2019. A tendência é que o entendimento seja mantido.

OS TEMAS EM DISCUSSÃO

Presídios superlotados

Bolsonaro: Em outubro, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro disse: “Vamos entupir a cadeia de bandidos. Está ruim? É só não fazer besteira”.

Supremo: Em fevereiro de 2017, o plenário do STF decidiu que o poder público tem a obrigação de indenizar presos em estabelecimentos superlotados. Também declarou o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros, em função das condições precárias.

Vagas em presídios

Bolsonaro: Em fevereiro de 2018, o então candidato disse à rádio “Jovem Pan” que não seria necessário criar mais vagas em presídios. “Quem falou que não tem vaga? Bota um em cima do outro”, disse.

Supremo: Em 2015, a Corte decidiu que juízes de todo o país podem determinar que o poder público realize reformas em presídios para garantir mais vagas, além da integridade física e moral dos detentos.

Audiências de custódia

Bolsonaro: Em junho, em sabatina do jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro defendeu o fim das audiências de custódia, que consistem na apresentação do preso a um juiz em até 24 horas após a prisão.

Supremo: Em setembro de 2015, a Corte validou a regra do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que impõe a juízes e tribunais de todo o país a realização de audiências de custódia em até 24 horas após a prisão.

Progressão de penas

Bolsonaro: O programa de governo de Bolsonaro inclui o fim da progressão de penas. Ou seja, um preso em regime fechado não poderia ir para o semiaberto, por exemplo.

Supremo: Em fevereiro de 2006, STF derrubou um artigo da Lei de Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime para quem praticar crimes graves.

Maioridade penal (ainda não foi julgado, mas que o Supremo Tribunal Federal tende a barrar)

Bolsonaro: Propõe a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos.

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Supremo: O tribunal ainda não julgou o assunto, que ganhou mais espaço durante a campanha. Mas, em caráter reservado, ministros já disseram que a tendência é a proposta ser derrubada em plenário.

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