De fevereiro até junho, deputados estaduais do Espírito Santo protocolaram 353 ofícios para a concessão de comendas por parte da Assembleia Legislativa. Ou seja, em apenas quatro meses de legislatura já existe praticamente uma solicitação de homenagem para cada um dos 365 dias do ano.
Embora tais honrarias sejam concedidas com o intuito de destacar personalidades de papel relevante no Estado, o número elevado delas e, consequentemente o seu custo para o poder público, é o que abre caminhos para contestações quanto a sua real importância.
O levantamento do número total de comendas solicitadas foi feito com base nos dados do portal da Assembleia. Foram desconsiderados 20 ofícios relativos ao deputado Marcos Garcia (PV), que haviam sido duplicados pelo sistema, segundo sua assessoria.
De acordo com a Casa, por enquanto foram gastos R$ 23,3 mil com a entrega de 209 comendas. As cifras tendem a ser bem maiores no final do ano, já que até lá todos os deputados terão realizado suas sessões solenes, nas quais homenagens são concedidas.
O cientista político Fernando Pignaton critica os excessos. Segundo ele, a concessão de regalias para as bases eleitorais vem sendo utilizada como forma de preencher o esvaziamento político do Poder Legislativo, enquanto questões relativas ao desenvolvimento do Estado são deixadas de lado, ficando a cargo somente do Executivo.
O deputado Euclério Sampaio (sem partido), que até o momento foi quem mais concedeu homenagens na Casa, sendo 38 no total, discorda. "Uma homenagem bem feita é importante para mostrar o valor que o Parlamento dá às pessoas que dedicam suas vidas em prol do Estado", defende.
No dia 11 de junho, Euclério concedeu comendas Domingos Martins a mais alta honraria da Casa a policiais civis do Estado. "Homenageei uma categoria que arrisca suas vidas por nossa segurança. O mais justo é que no dia da Polícia Civil nós mostremos que eles são importantes", diz.
A deputada Janete de Sá (PMN), que protocolou 37 ofícios de homenagens (voltados para a categoria dos ferroviários) engrossa o coro. "Sei que há um custo das comendas, mas queremos homenagear algumas classes. É preciso valorizar quem é bom como forma de incentivo. A comenda Tiradentes, por exemplo, prestigia policiais e bombeiros militares. Com isso eles têm até pontuação e podem ascender na carreira", argumenta.
Apesar disso, Janete defende um maior controle. É de autoria dela um projeto que se encontra sob análise da Procuradoria da Assembleia, cujo objetivo é fazer com que as comendas passem por votação no plenário da Casa e recebam a aprovação de ao menos um quinto dos parlamentares para serem aceitas.
Apesar de as solicitações de comenda serem submetidas a um rito interno, hoje praticamente não há uma avaliação do conteúdo dos pedidos. O ofício protocolado passa pela Diretoria de Informação, que verifica se o homenageado já recebeu outras honrarias. Caso não haja repetição, ele segue para a Diretoria de Processo Legislativo, onde é feita a resolução, que mais tarde é assinada pela Mesa Diretora.
Janete apresentou também, em março deste ano, um projeto de resolução para revogar comendas que não foram entregues após cinco anos consecutivos de sua publicação. "Vi que essa Casa tem muitas comendas e muitas sequer foram entregues", observa ela.
LIMITAÇÃO
O doutorando em história e professor Rafael Simões defende que haja uma limitação do número de comendas entregues por ano. Segundo ele, para além do custo, a grande quantidade de homenagens acaba tirando o valor das honrarias.
"Isso as transforma em algo tão massivo que elas perdem o valor simbólico que tem para pessoas que efetivamente produziram. Os parlamentares contribuíram para isso ao transformá-las em instrumentos de interesse político e pessoal, homenageando apoiadores para fazer, entre aspas, um agrado", afirma.
Bolsonaro, Michelle e Jean Wyllys na lista
Entre muitos rostos anônimos para a maioria da população, algumas figuras de destaque estadual e até nacional também foram eleitas pelos deputados para serem homenageadas, seja com comendas ou com títulos de Cidadão Espírito-Santense. Os agraciados vão desde o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), até o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL). Mas é justamente o antagonismo ideológico por trás dessas figuras que tem gerado novos embates entre os parlamentares da Assembleia Legislativa estadual.
Os membros do primeiro escalão do governo Bolsonaro têm aparecido com frequência na lista de homenageados. A primeira delas é a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que esteve no Estado em maio deste ano. Das mãos do deputado Lorenzo Pazolini (sem partido), Damares recebeu as comendas Domingos Martins e Ewerton Montenegro em uma cerimônia na Assembleia Legislativa, numa cerimônia marcada por protestos.
Danilo Bahiense (PSL) pretende entregar a comenda Domingos Martins ao próprio Bolsonaro. Já para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o delegado quer dar o título de Cidadão Espírito-Santense. O título é uma outra forma de homenagem concedida pela Assembleia. No entanto, diferente das comendas, trata-se de um projeto de decreto legislativo e precisa passar por aprovação em plenário para ser concedido. O projeto para homenagear Michelle, inclusive, já passou por esse rito e foi aprovado pelo pleno.
PROPÓSITO
Quando questionado sobre o propósito das honrarias, já que não se sabe sequer se os homenageados virão ao Estado para recebê-las, o deputado defende que esta é uma forma de contemplar a primeira-dama por sua atuação em causas sociais e suas "ações complementares" junto ao presidente, que, segundo ele, têm dado atenção às necessidades locais, "possibilitando início de obras, liberação de investimentos na agricultura, infraestrutura e também atendimento médico à população capixaba".
A bancada do PSL segue firme nas homenagens. Enquanto o deputado Capitão Assumção quer dar o título de Cidadão Espírito-Santense ao ministro da Justiça Sergio Moro e ao ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, Torino Marques (PSL) pretende dar o mesmo título ao ministro da Economia Paulo Guedes.
OPOSIÇÃO
Mas foi só a deputada Iriny Lopes decidir homenagear membros da oposição para que os ânimos começassem a se exaltar. A concessão da comenda Domingos Martins para o ex-deputado federal e ativista LGBT Jean Wyllys proposta pela única representante do PT na Casa já foi publicada no Diário da Assembleia. Mas Iriny também pretende dar a ele o título de Cidadão Espírito-Santense.
Mas no que depender de um grupo de oito deputados, puxados por Euclério Sampaio (sem partido), a proposta não passará em plenário. O grupo já protocolou, inclusive, um recurso contra o projeto.
Iriny não quis comentar o assunto. Mas em declarações recentes nas redes sociais, reagiu: "Esse é um episódio que demonstra o quanto a liberdade de expressão e pensamento andam sob ameaça no país".
Para o doutorando em História e professor da Universidade de Vila Velha (UVV) Rafael Simões, esse tipo de intervenção não deve ocorrer.
Redução de custos
Para conter os gastos, a Assembleia Legislativa pretende racionalizar a entrega de comendas e honrarias. Por isso, na última quarta-feira, foi instaurada uma comissão interna na Casa, que terá o prazo de 15 dias para realizar um estudo técnico sobre o tema.
"A finalidade é diminuir, em quantidade, as honrarias e comendas existentes, além de diminuir os gastos atinentes às concessões das honrarias e comendas que permanecerão vigentes", informou a Assembleia.
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