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A cota feminina no Brasil não foi feita para funcionar, diz analista do TRE

A cota feminina no Brasil não foi feita para funcionar, diz analista do TRE

Daniela Travaglia, que atua como analista judiciária no TRE-ES, analisou os motivos que levam o Brasil a obter baixos índices de participação feminina na política se comparado a outros países da América do Sul

Publicado em 30 de julho de 2019 às 01:09

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Daniela Travaglia de Oliveira Pimentel falou no TRE sobre a participação da mulher na política brasileira. (Comunicação/TRE)

Na contramão de projetos de líderes da Câmara dos Deputados, que agem para reduzir as cotas de gênero, mulheres de diferentes setores se reuniram no Plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) nesta segunda-feira (29) para reafirmar a importância desse direito garantido por lei como ferramenta para alavancar a participação feminina em espaços de poder e de política.

À frente dessa discussão está Daniela Travaglia. Analista judiciária do TRE-ES e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra, ela defende que tanto o atraso na aplicação compulsória das cotas quanto a falta da criação de outras medidas de suporte foram responsáveis por tornar o Brasil um dos países mais atrasados em termos de participação de mulheres na política se comparado a outros países na América do Sul.

A partir de setembro o TRE-ES ministrará cursos de educação à distância sobre participação feminina na política, que serão abertos ao público. Com as eleições de 2020 já em vista, Daniela defende que este é o momento de agir para que, em vez de candidatas laranjas, as mulheres assumam um papel protagonista na esfera político-partidária. Confira:

As cotas de gênero são, de fato, importantes?

Há vários estudos que mostram que as cotas são fundamentais na busca por igualdade de gênero porque elas dão resultado. Só que elas precisam ser implementadas da forma correta. Temos casos de países na América do Sul que saíram de um índice de 10% de participação feminina na política para 30%, 40%. Isso é resultado. Por isso, eu fui estudar por que no Brasil nós não temos esse mesmo resultado que outros países latinos tiveram com as cotas. Por que o Brasil está na 133ª posição nesse ranking, sendo que Argentina subiu para 18º, Costa Rica para 8º, Bolívia para 3º?

E o que aconteceu de errado no Brasil?

Eu cheguei a duas respostas. Uma foi o atraso na implementação das cotas. A lei (que garante a cota por gênero) é de 1995, mas só foi considerada compulsória em 2009. Até então era uma recomendação. Isso é muito tempo. Enquanto isso, outros países já estavam aplicando cotas compulsórias desde o início.

Além disso, no Brasil, fizemos essa cota só no papel. A cota não foi feita para funcionar. Tanto é que hoje temos candidatas laranjas, que não são candidatas. Os partidos as colocam de última hora. O que a gente precisa para alavancar o equilíbrio de gênero na política – que seria em torno de 40% a 60% de participação feminina – é que a gente tenha outras medidas para fomentar o debate e melhorar os resultados das cotas.

Quais outras medidas?

Falamos de medidas tanto para combater o patriarcalismo quanto para mudar a estrutura político-partidária. Algumas delas são as cotas de participação também dentro de governos, cotas dentro de partidos e mais transparência nas regras partidárias, evitando que existam candidatas que surgem na última hora apenas para cumprir cotas.

Além disso, é preciso investir na criminalização da misoginia, que é o ataque em razão do gênero. Que isso se torne crime e que resulte em inelegibilidade para quem o pratica. É preciso também incentivar pesquisas e pesquisadores de estudos sobre gênero e conceder benefícios fiscais às associações, organizações que tenham maioria feminina.

Em que patamar estamos nesse momento?

Na última eleição, fiz o levantamento (da participação de mulheres) nas Assembleias Legislativas. De forma geral, 15% das deputadas estaduais são mulheres. Estamos estagnados, muito distantes do equilíbrio de gênero. Se parar para pensar que adotamos cotas em 1995 e que antes das cotas o índice de participação era de 10%, nós crescemos muito pouco. Essa é a crítica que temos que fazer.

Vivemos um momento em que membros do Congresso falam em reduzir as cotas ou acabar com as punições para partidos que não as cumpram. O que você pensa disso?

A punição para os partidos é fundamental. Outro fato é que a dominância masculina tem tentado tirar as cotas. Existe um projeto de lei que foi arquivado para acabar com as cotas. As candidaturas laranjas que os partidos usam para burlar as cotas depois vêm a ser utilizadas para que os partidos se beneficiem de sua própria torpeza. Eles querem usar as candidatas laranjas como desculpa para acabar com as cotas, quando a gente sabe que o domínio masculino da política quer se perpetuar mantendo a mulher não só distante da política, mas dos processos decisórios.

Qual a melhor maneira de estimular as mulheres a quererem participar?

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Não há outro caminho senão por meio do debate da igualdade de gênero, não só na política, mas na sociedade. Por isso, as medidas que propomos não são apenas dentro da política, mas também fora dela. São questões a serem trabalhadas socialmente para que possam se refletir no nosso Congresso.

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