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'Querem nos intimidar', dizem juízes e membros do MP em protesto no ES

"Querem nos intimidar", dizem juízes e membros do MP em protesto no ES

Representantes de associações divulgaram uma carta aberta contra as mudanças feitas no pacote anticorrupção que incluiu punições a magistrados e integrantes do Ministério Público

Publicado em 5 de julho de 2019 às 19:50

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Protesto de magistrados em frente ao Tribunal de Justiça. (Vitor Jubini)

Membros do Ministério Público Estadual e da magistratura protestaram nesta sexta-feira (05) contra o projeto que enquadra integrantes dessas carreiras em novas hipóteses de abuso de autoridade. O Projeto de Lei Complementar 27/2017 foi aprovado pelo Senado no último dia 26 de junho e deve ser reanalisado pela Câmara dos Deputados.

O ato foi realizado na sede do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), em Vitória. Em carta aberta à sociedade e aos representantes políticos capixabas, a Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) e a Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP) afirmam que as normas previstas "claramente pretendem intimidar, criminalizar e calar" as instituições, "transformando meros ilícitos administrativos em novos tipos penais".

A carta também critica as palavras vagas utilizadas no texto, que abrem, ainda de acordo com as entidades, margem a perseguição. "Com a aprovação de textos como esses, que são vagos e imprecisos, a magistratura e o Ministério Público estarão bastante vulneráveis no desempenho de atividades de sua competência e atribuição, possibilitando, por exemplo, que pessoas que praticam atos de corrupção, pedofilia e feminicídio possam querer intimidar e perseguir os membros da magistratura e do Ministério Público".

"PERGUNTA IMPERTINENTE"

"O juiz presidente tem o poder para conduzir a audiência. Perguntas impertinentes, pelo Código de Processo Penal, devem ser indeferidas. Um advogado, entendendo que a pergunta dele não era impertinente, em vez de simplesmente buscar contestar isso judicialmente, ele vai passar a notificar criminalmente o juiz por ter violado a prerrogativa dele", exemplifica Pedro Ivo de Sousa, presidente da AESMP.  

"(Define que) abuso de autoridade é atuar flagrantemente em desídia. O que é isso? Os tipos têm que ser claros", complementa. O texto também enquadra como abuso atuar com "evidente" motivação política.

"Há que se fazer uma discussão de atualização da lei de abuso de autoridade, ela tem que envolver todas as autoridades públicas e não especificamente promotores e juízes", pontua Daniel Peçanha, presidente da Amages. 

"Se for processado e condenado eles (membros do Ministério Público e do Judiciário) podem virar condenados criminalmente pelo exercício da função, o que é um absurdo", diz, ainda. "A gente já tem nas nossas instituições, nas Corregedorias, a gente já sofre um grande controle interno, como vocês (imprensa) acompanham".

Mas caberia aos próprios membros do Ministério Público e aos juízes aplicar a lei. "Se isso virar lei, temos obrigação de dar aplicação a isso", ressalta Pedro Ivo.

Instados a avaliar porque a ideia da "lei do abuso de autoridade" voltou à tona agora – já havia sido objeto de debate na Câmara –, os representantes das associações evitaram analisar o cenário político. O fato é que a votação, no Senado, ocorreu três semanas depois dos primeiros vazamentos de conversas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato, o que levou a questionamentos sobre a parcialidade do juiz e a legalidade de decisões judiciais. 

"PONTUAL"

"A grande indagação que a sociedade deve fazer é por que a apresentação de tal projeto em determinados momentos que a sociedade tem assistido a um resultado positivo do trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal ... Aí se volta com esse projeto, que é pontual, defende os interesses daqueles que não têm o interesse que o Estado democrático de direito prevaleça", afirmou a desembargadora Janete Vargas Simões, vice-presidente da Amages. 

As entidades querem que o texto não seja aprovado pela Câmara e conclamam, na carta aberta, "a bancada federal e toda a população capixaba".

"Não estamos fazendo isso por uma questão corporativa. Uma decisão proferida por um juiz constrangido por um tipo penal excessivamente aberto, por questão de relacionamento com advogado, por exemplo, vai prejudicar o processo judicial", afirmou o representante da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 17ª Região,  Luis Eduardo Soares Fontenelle.

Os deputados estaduais Capitão Assumção, Torino Marques e Danilo Bahiense, todos do PSL, também participaram do protesto. 

O PROJETO

O projeto tratava, originalmente, das "Dez Medidas de Combate à Corrupção", proposto pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), ou seja, pelos próprios membros do MP, mas ganhou novos termos, como a inclusão do abuso de autoridade.

A explicação da ementa (um resumo) que consta no site do Senado registra que a proposta "considera razoável duração do processo o prazo que não exceda 3 anos na instância originária e 1 ano na recursal; define crimes de abuso de autoridade dos Magistrados e dos membros do Ministério Público; altera o Código Penal, a Lei que regula a ação popular, a Lei que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e OAB".

Juízes e procuradores podem ser incriminados, por exemplo, por:

Proferir julgamento em caso de impedimento legal

Instaurar procedimento sem indícios

Atuar com evidente motivação político-partidária

Exercer outra função pública (exceto magistério) ou atividade empresarial

Manifestar juízo de valor sobre processo pendente de julgamento

- As condutas só são criminosas quando praticadas com finalidade específica de prejudicar ou beneficiar ou por capricho ou satisfação pessoal. Também não caracteriza crime a investigação preliminar sobre notícia de fato

- Divergências na interpretação da lei e na análise de fatos e provas não configuram crime

- Pena: de seis meses a dois anos de detenção, em regime aberto ou semiaberto

- Qualquer cidadão pode representar contra juízes e procuradores nos casos em questão

O texto ainda trata dos direitos dos advogados: 

- São crimes:

A violação das prerrogativas do advogado, previstas no Estatuto da Advocacia

O exercício irregular da advocacia e o anúncio de serviços de advocacia sem a qualificação exigida, mesmo que gratuitamente

- Pena: multa e de um a dois anos de prisão

- A Ordem dos Advogados do Brasil pode requerer inquérito policial e diligências para apurar esses crimes

O advogado ofendido pode propor ação penal privada concorrente

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- Em audiências, o advogado sentará ao lado do seu cliente e no mesmo plano do juiz e do membro do Ministério Público

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