O ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) não é a instância competente para julgar um processo criminal contra o prefeito de Iconha, João Paganini (PDT). A decisão pode significar a perda do chamado foro privilegiado de outros políticos do Estado.
Embora os crimes atribuídos a Paganini tenham relação direta com o exercício do cargo, a decisão de Mussi estabelece que não há que se falar em foro especial, pois dizem respeito ao mandato anterior do político. Assim, o caso deverá tramitar na primeira instância do Judiciário capixaba.
Entre os processos que poderão "descer", ao menos um é o do prefeito afastado de Itapemirim, Luciano Paiva (sem partido), referente a crimes atribuídos a ele no mandato anterior.
Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o chamado foro privilegiado, em maio de 2018, decidiu que políticos e autoridades só deveriam ser julgadas em instâncias superiores quando os crimes tivessem relação com o cargo ou tivessem sido praticados em razão do cargo.
Em tese, esse é o caso do prefeito de Iconha. Contudo, a decisão do STF gerou dúvidas sobre a aplicabilidade do novo entendimento, que acabam sendo sanadas caso a caso. Uma delas foi sobre a situação de políticos reeleitos processados criminalmente por atos relativos aos mandatos anteriores, caso de Paganini.
A denúncia criminal contra o prefeito oferecida pelo Ministério Público Estadual (MPES) narra que ele exigiu de empresários que prestavam serviço ao município a compra de insumos em loja de materiais de construção da qual é dono, além de recebimento de valores indevidos. Os crimes teriam sido praticados em 2013, no mandato anterior de Paganini. Ele foi reeleito em 2016.
MANDATO PASSADO
Para o advogado do prefeito, Ludgero Liberato, como não se trata de caso relacionado ao atual mandato, o processo deveria ser julgado por juiz de primeiro grau.
"No julgamento da questão de ordem da ação penal 937, alguns ministros disseram que o STF está trazendo uma novidade e criaria uma série de problemas. Foi o que aconteceu, já na semana seguinte. E quando os fatos são ocorridos no mandato anterior? É o mesmo cargo ou não? No caso do Paganini, sustentamos que mesmo cargo (após reeleição) não abrange mandato anterior", disse.
Em junho de 2018, a Corte Especial do STJ debruçou-se sobre a aplicação do entendimento do STF acerca do foro por função em caso de governadores e de conselheiros de Tribunais de Contas.
Foi a partir desse entendimento do STJ que o ministro Jorge Mussi avaliou que o TJES não deve julgar o prefeito de Iconha. "O paciente foi acusado de praticar crimes quando exercia o cargo de prefeito no ano de 2013, retornando à condição de alcaide em 2017, após reeleger-se no pleito de 2016. Ocorre que embora os fatos tenham ocorrido durante o exercício do cargo de prefeito pelo paciente em em razão dele, não guardam relação com o seu atual mandato eletivo, que, por conseguinte, não tem o condão de firmar ou restaurar a competência do Tribunal de origem para processá-lo e julgá-lo", afirmou o ministro, na decisão.
SEGUNDA INSTÂNCIA
Juristas consultados pela reportagem destacam que o interesse das defesas em enviar processos de políticos para a primeira instância pode estar relacionado a outro entendimento do STF, o que autorizou a execução da pena quando alguém vai condenado em segunda instância, antes do chamado trânsito em julgado.
Como o TJES já é a segunda instância, o interesse pode ser aumentar o intervalo entre uma eventual condenação no primeiro grau e a manutenção dessa condenação pelo tribunal, com os devidos efeitos.
Ludgero Liberato também atua como advogado em processos de outros políticos, como o prefeito afastado de Itapemirim, Luciano Paiva (sem partido), e avalia que as ações deverão seguir o mesmo caminho e descer para a primeira instância.
Já o Tribunal de Justiça afirmou, por meio de nota, que como a decisão do STJ teve como base decisão do STF, tal entendimento pode ser seguido pelos demais Tribunais, após análise do relator do processo em segunda instância. Já o Ministério Público estadual (MPES) não se manifestou.
REFLEXOS EM OUTROS CASOS E DIVERGÊNCIAS
Para o advogado criminalista
Cássio Rebouças
, a decisão do STJ em relação ao de João Paganini poderá ter reflexo em casos semelhantes. "Se o crime cometido não tem relação com o atual mandato exercido pelo político, o processo é remetido para a primeira instância, ainda que ele assuma outros cargos diferentes. Essa decisão não é inovadora. O posicionamento dos tribunais superiores já era nesse sentido", resume.
A exceção, segundo ele, ocorre nos casos em que a fase de instrução do processo, na qual são coletadas as provas, já estiver finalizada e a matéria estiver pronta para a votação.
O objetivo desta exceção, segundo o professor de Direito Penal e Constitucional da Ufes, Ricardo Gueiros, é evitar o chamado "efeito gangorra", quando um processo fica passando de uma instância para a outra, atrasando sua tramitação.
No entanto, para Gueiros, a questão da perda do foro por prerrogativa de função quando o político se reelege (sem que haja intervalo de tempo entre um período e outro) não está pacificada e pode ser mais complexa do que parece. Ele cita uma controvérsia:
"Em maio deste ano, o STF entendeu, por maioria, ao analisar um caso da Prefeitura de Barueri, que, caso o candidato tivesse sido reeleito, sem intervalo de mandato, manteria o foro do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesses casos também é importante averiguar se a instrução criminal já foi finalizada", aponta.
BENEFÍCIOS
Para Gueiros, a migração de processos em segunda instância pode ser mais benéfica para os acusados, tendo em vista as desvantagens acarretadas pelo foro privilegiado.
"Se o réu é processado e condenado diretamente pelo Tribunal de Justiça, ele poderá já ter que iniciar o cumprimento de sua pena. E isso por que o entendimento do STF é no sentido de permitir o início do cumprimento da pena a partir do momento em que se encerra a análise de fatos e provas à culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. Se o réu é condenado pelo Tribunal de Justiça não haverá outro Tribunal para ele rediscutir fatos e provas. Há o STJ e o STF, mas eles não tribunais que, em regra geral (há várias exceções), discutem fatos e provas".
O criminalista Cássio Rebouças, por outro lado, afirma que na prática, a tramitação em primeira instância costuma ser mais rápida, o que, para os políticos, pode ser uma fator de complicação.
"Os processos por prerrogativa de função tendem a ser demorados. Veja, por exemplo, a Operação Naufrágio, cujo trâmite no STJ nem começou", justifica.
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