Entrevista

"Não existe inovação sem ser sustentável", garante Dudu Bertholini

O comunicador de moda esteve no DFB Festival, onde falou sobre os novos rumos do setor

Davi Magalhães
Foto: Davi Magalhães

Repensar toda a cadeia produtiva e torná-la realmente sustentável. Esse é um caminho sem volta, segundo Dudu Bertholini, que participou do circuito de palestras do Dragão Pensando Moda, no DFB Festival, em Fortaleza. "A maior causa da moda atualmente é a sustentabilidade. Já estamos com a conta no vermelho com o planeta, precisamos minimizar o impacto negativo", dispara.

Designer, stylist, professor e comunicador da moda, ele sabe do que está falando. Durante dez anos Dudu foi, ao lado de Rita Comparato, estilista da Neon, marca que sacudiu o mercado com as estampas ousadas. Com o fim da grife, ele enveredou por outros caminhos, assinando, entre outros trabalhos, grandes desfiles e campanhas. Neste bate-papo ele fala sobre diversidade, sustentabilidade e os novos caminhos da moda.

Vivemos um movimento global na produção em grandes volumes, que parece estar se esgotando. Você acha que futuramente o caminho será pelas marcas pequenas?

Acho que o mundo do futuro - por bem. ou por mal - será dominado por marcas menores. É impossível ser sustentável numa escala tão grande, a tendência é que as marcas passem a atender nichos específicos e crie sistemas menos veloz, se relacionando com seu entorno. Uma das maiores revoluções está na biotecnologia e biomimética, onde a gente para de usar os recursos animais para se vestir. A sustentabilidade do futuro terá que ser pensada em escalas menores.

Nesse ponto a sustentabilidade é um dos pontos fundamentais...

Ao longo da histórias a moda foi acusada de ser superficial, excludente ou arrogante. A mudança está em todos nós, promovendo de fato essa revolução da empatia. A maior das causas que a moda vive é a sustentabilidade, e esse é um assunto de agora e do futuro. Se a gente não pensar com essa cabeça, nem mundo teremos para vestir essas roupas que a gente cria. Já estamos numa conta no vermelho com o planeta, e agora a gente tem que dar uma grande virada para que a moda possa minimizar o seu impacto negativo e possa gerar um impacto positivo. O que é novo na moda não é o que a gente consome, mas é como a gente consome. Não existe inovação sem ser sustentável. Uma nova ideia que não seja sustentável, não é uma boa ideia. A gente não pode mais colocar essa conta no planeta.

Qual a importância de cada um respeitar a diversidade?

A diversidade é um dos grandes pilares do mundo e da moda contemporânea. Até pouco tempo atrás parecia um discurso utópico, mas hoje qualquer grande empresa que não estiver em sintonia com valores de inclusão e diversidade, já é passada para trás. É preciso que a gente quebre o estigma da moda pluz size, não precisa ter uma etiqueta dizendo que ela é pluz size. Ela só é uma moda de numeração maior, não tem que passar por distinção nenhuma de outras peças que são produzidas em outros tamanhos. A gente tem que naturalizar as questões de diversidade. A grande diferença da moda desse século é que ela não está aqui para ditar aquilo que temos que usar, e sim oferecer inúmeros caminhos para aprimorar o seu estilo pessoal. Não existem mais tendências absolutas.

Então você acredita numa roupa sem gênero...

Hoje não tem mais disso e será cada vez mais assim. A gente vive um mundo que tem que libertar as ideias pré-estabelecidas de gênero. A gente vê uma ascensão de marcas que tem foco nas roupas sem gênero, que não são designadas para corpos femininos ou masculinos. Espero que as novas gerações não sejam oprimidas por esses conceitos binários, que possam expressar sua identidade e ideologia de gênero de forma democrática. A hora que isso estiver instituído no mundo teremos uma sociedade muito mais empática e afetuosa.

Você stylist, designer, curador, comunicador. Alguma profissão te define mais?

Hoje e dia todos nós somos multidisciplinares, ninguém exerce uma única profissão. Acredito que o profissional do presente e do futuro tem que entender qual é a essência criativa dele e ser capaz de ocupar inúmeros territórios. Descobri isso na prática e hoje tenho uma enorme dificuldade em dizer qual é a minha profissão. Mas acho que a que mais identifico é o comunicador de moda. Estou interessado em quaisquer assuntos que esteja relacionada ao assunto, principalmente com a moda com propósito que se dispõe a fazer do mundo um lugar melhor de diversas maneiras. Eu ainda acho que com as grandes revoluções da tecnologia que estamos vivendo e com as mudanças sustentáveis, daqui a 10 anos, muitas das profissões que conhecemos hoje não vão existir. Vamos passar por adaptações muito grandes, e mais do que ser especialista, o que vai valer, é a sua mensagem. O que você está aqui para transmitir, qual a sua ideologia e quais ferramentas você vai usar para passar esse recado.

A moda parece algo orgânico em você. Ela sempre esteve presente na sua vida?

Sempre foi assim. Me lembro que desde muito criança eu me encantava pela maneira que as pessoas se expressavam através da roupa. As mais exóticas e extravagantes sempre eram sinônimos de liberdade. Lembro, ainda criança, de ver a Nina Hagen (cantora alemã) no Rock in Rio e ela tinha um visual punk, inacreditável e ao mesmo tempo que ficava assustado, pensava que seu um dia pudesse ser daquela forma seria livre. As pessoas se sentem reprimidas com a sua liberdade, mas a moda, se por um lado por tanto tempo foi responsável por tentar nos fazer padronizados, é a mesma ferramenta que nos faz ser livre e nos expressar o nossos gênero, corpo, raça e estilo. E essa é pessoa que eu buscava desde criança.

*O jornalista viajou a convite do evento

Ver comentários