Entrevista

Café Lindenberg: "O jogo mudou, mas o jornalismo segue na essência"

O diretor-geral da Rede Gazeta, Carlos Fernando Lindenberg Neto, o Café, tem a missão de tocar o negócio num momento de profundas mudanças no mercado de jornalismo: "Estamos prontos para o desafio"

Bernardo Coutinho

Orgulho e responsabilidade. São os dois sentimentos de Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Neto, o Café, diretor-geral da Rede Gazeta desde 2001, no aniversário de 90 anos da empresa. Orgulho por conta de toda a história construída ao longo de nove décadas. Uma história de jornalismo combativo, honesto, responsável e independente. “Sabemos da importância do trabalho que fazemos aqui.” A responsabilidade se dá na medida em que ele é o responsável por conduzir o negócio – que está sob os cuidados de sua família desde 1949, quando foi comprado pelo seu avô, Carlos Lindenberg – num momento de turbulência para as empresas de jornalismo de todo o planeta. “Não é um processo fácil. Há muitas incertezas.” De fala mansa, Café é incisivo quando questionado sobre os rumos da Gazeta: “Estamos prontos para o desafio”.

Noventa anos de Rede Gazeta. Qual é o sentimento?

Um orgulho muito grande. Sabemos da importância do trabalho que fazemos, que traz muita coisa boa para o Estado, para a sociedade capixaba. Comandamos um time muito, muito consciente de sua missão, muito focado no trabalho e com valores claramente definidos. Tem também o sentimento de responsabilidade. Vem do desafio de conduzir algo que começou há 90 anos e que há mais de 60 está com a minha família. Esteve com meu tio (Eugênio Pacheco de Queiroz, que comandou a Gazeta nos anos 40 e 50), esteve com meu pai (Cariê Lindenberg presidiu a Rede Gazeta do início dos anos 60 até 2001) e agora está comigo. E está comigo num momento muito desafiador para o jornalismo. Saber que você está no comando num momento de tamanha turbulência, de tanta transformação e com tanta incerteza... É muita responsabilidade. Dá um frio na barriga (risos).

A Rede Gazeta está preparada para este momento?

Dizer, hoje, que estamos preparados é algo muito ousado. Não diria que estamos preparados, assim como não diria isso de nenhuma outra empresa de mídia ou mesmo das grandes empresas de internet. Digo isso pelo simples fato de não sabermos o que vem por aí. E nem com que velocidade isso vem. Dentro do que temos de informação, do que está acontecendo no mundo da mídia, acho que a Gazeta vem fazendo as escolhas corretas. Estamos prontos para o desafio.

O que passa pela cabeça do diretor-geral de uma empresa de mídia num momento como este?

Felizmente conseguimos montar uma equipe consciente do momento. Não é surpresa para ninguém que as transformações estão vindo cada vez mais rapidamente. Os profissionais estão preparados, investindo em conhecimento, visitando outras empresas, indo a conferências, lendo sobre o tema. Hoje, estou mais tranquilo do que já estive em outros momentos de transformação da Gazeta. Em outras situações não tínhamos tantas mudanças ao mesmo tempo e nem com tanta velocidade, mas eu não tinha tanta certeza de que estava com a equipe certa para fazer acontecer. Agora tenho a clareza disso. Nós temos um time ótimo aqui. Ter uma equipe competente é o maior fator de tranquilidade para um gestor. Tanto é assim que a Rede Gazeta virou referência para grupos de todo o Brasil, inclusive maiores do que nós.

Como é essa nova empresa de mídia? O que ela tem de novo?

Uma condição básica para uma empresa de mídia continuar no jogo é a velocidade de mudança. As coisas estão acontecendo de maneira muito rápida. As novas tecnologias, novas formas de interagir com o público, novas ciências que estamos trazendo para dentro da empresa... A segunda questão é que hoje, dado o acesso das pessoas à tecnologia, temos um canal fabuloso de retorno que antes não tínhamos. São ferramentas importantíssimas para conhecermos melhor o nosso público. Estamos usando isso. Nosso corpo de jornalistas é mais preparado do que foi no passado. Tem mais estudo, mais treinamento, mais ferramentas para trabalhar. Ou seja, entrega um produto melhor, mais consistente. As condições estão aí, a questão é conseguirmos trocar o pneu com o carro andando. Trocar o modelo de negócio que nos sustentou por todos esses anos (baseado em publicidade) por um modelo novo, mais fundamentado no mundo digital, na venda de assinaturas digitais, na publicidade digital. É um outro mundo. Os nossos concorrentes são outros, não apenas as empresas jornalísticas locais. Hoje concorremos com grandes empresas nacionais e mundiais. O jogo mudou bastante, mas o jornalismo segue na essência, no centro da nossa missão.

As redes sociais colocaram o jornalismo sob ataque. O presidente dos EUA se vale desse expediente. Aqui no Brasil, incluindo o Espírito Santo, temos exemplos também. Como o senhor enxerga esses ataques?

É um momento de transição. As redes sociais acabaram de ganhar a dimensão que têm. As pessoas ainda estão aprendendo a lidar com isso. A questão é que o canal de comunicação com a sociedade, que no passado sempre passava por uma empresa jornalística, hoje, principalmente quando falamos dos agentes políticos, passou a ter a possibilidade de ser direto com o público, sem passar por um veículo de comunicação jornalístico. E como o papel de veículos como o nosso é muito incômodo para os governos, afinal são cobrados, muitos tentam tirar a credibilidade das empresas jornalísticas, dizendo que o que está sendo publicado é falso, quando, na verdade, são informações corretas, mas desagradáveis para o governante. Não é um fenômeno novo, a dimensão é que é nova. Mas eu acho que isso é uma fase transitória. O jornalismo é essencial para uma nação funcionar, para um Estado funcionar, para uma cidade funcionar. A sociedade, sem um jornalismo livre e atuante, fica muito limitada em termos de condições de acompanhar o trabalho dos governantes. Ainda não se descobriu uma ferramenta melhor que o jornalismo para fazer isso acontecer. Com o tempo isso ficará mais claro. As pessoas vão entender o que é um governante falando mal do jornalismo e o que é a missão de uma empresa jornalística. Talvez, nós, jornalistas, não estejamos fazendo o nosso dever de casa. Mostrando ao público qual é o nosso papel. Nós nunca nos preocupamos muito com isso, mas é chegada a hora. Qual é o papel do jornalismo numa sociedade livre? É algo que precisa ser didaticamente explicado.

Algumas redações estão medindo o impacto de sua atuação. Prestando conta mesmo.

As campanhas de venda de assinaturas são cada vez mais didáticas com relação a esse tema, mostrando a importância de o leitor estar ao lado, de se associar a uma empresa de mídia, sendo um assinante. Mostram que uma assinatura não beneficia apenas o assinante, mas também o coletivo, afinal, o trabalho daquela empresa jornalística é importante para a sua comunidade, para a sociedade, para a democracia. Esse movimento das empresas pode ser um contraponto ao movimento recente de políticos como Donald Trump e de outros aqui no Brasil, que têm por objetivo colocar em xeque a credibilidade das empresas de mídia. Aliás, cabe aqui uma reflexão. Nem todas as empresas de mídia são livres e independentes. Portanto, cabe ao público separar o joio do trigo. Saber quem de fato tem compromisso com o público e quais são as companhias que estão a serviço de alguém, ou de alguma missão, ou de algum partido político, igreja...

Uma empresa de jornalismo aponta erros, denuncia, cobra, enfim, incomoda. Como é lidar com isso diariamente?

É um dos grandes desafios que a gente tem. Sem sombra de dúvida, todos os dias, em algum veículo nosso, vamos estar incomodando alguém. Sempre o jornalista, até pela natureza, estará olhando ou denunciando algo que está fora do lugar. Claro que jornalismo não é só falar de coisa errada, mas se pegar na essência, isso em qualquer programa ou veículo sério, boa parte do tempo e espaço vai para mostrar algo que não está funcionando bem. Então, sempre haverá gente desagradada, nos mais diversos graus. Lidar com isso é muito desafiador. Para tanto, temos aqui na Gazeta uma espécie de “bíblia”, que são os nossos valores (pega, na primeira gaveta de sua mesa, o manual Rede de Valores, com as práticas a serem adotadas por todos os funcionários da empresa). Tudo está escrito no livro, que todos os nossos funcionários, todos os nossos jornalistas têm. Por isso, a maneira mais fácil de lidar com essa desafiadora questão é sempre recorrer aos nossos valores. Tem dúvida? Vai lá nos valores. Ali veremos se estamos certos ou não. A imprensa erra também. Ter a honestidade de reconhecer e de tentar consertar é o melhor caminho. Ser franco e honesto sempre. Quando errar, assumir que errou. Quando não há erro, tentar explicar da melhor maneira possível os motivos de aquele material ter sido publicado. Isso não nos garante resolver sempre o problema, mas, no médio e no longo prazo, conquistamos a confiança das pessoas, mesmo as que foram afetadas negativamente.

O senhor entrou na Gazeta em 1988, há 30 anos. Já falamos muito de mudança. O que não mudou aqui na Gazeta?

Os valores não mudaram. Desde que a minha família está aqui, são valores muito parecidos. O jornalismo mudou muito, mas a vontade de servir que sentimos aqui na Gazeta é a mesma. Sempre mantivemos uma postura independente. São poucos os órgãos de imprensa regionais que têm a independência da Gazeta. Sempre tivemos um cuidado muito grande com nossos fundamentos econômicos, afinal, a liberdade editorial só existe se você tiver bons fundamentos econômicos, bons resultados como empresa. Essa disciplina vem de bem antes de eu entrar aqui. Vem da época do meu tio Eugênio, que era uma pessoa reconhecidamente austera. Foi ele que iniciou o trabalho para que o que era apenas um jornal, lá nos anos 40, se tornasse um grupo com várias empresas de comunicação. Sempre com a mentalidade de cuidar das contas, de não esbanjar recursos, de investir muito em tecnologia e de saber enxergar os momentos de fazer mudanças importantes. Acho que esse nosso espírito de empreender também não mudou. Algumas coisas mudaram na casca, mas na essência ainda somos aquela Gazeta lá de trás.

A Gazeta foi comprada pelo seu avô (Carlos Lindenberg), foi conduzida pelo seu tio, profissionalizada pelo seu pai e teve a importante participação de sua mãe (Maria Alice) e de sua irmã (Letícia), que hoje desempenha um importante papel como diretora de Transformação. Como é trabalhar em família? Como manter um ambiente profissional e familiar ao mesmo tempo?

Para mim é fantástico. A minha família mantém um relacionamento de absoluta confiança, tanto entre gerações como entre pessoas da mesma geração. Os Lindenberg que estão na Gazeta estão porque são profissionais qualificados. Não basta mostrar a carteira de identidade para ter o emprego (risos). Isso já foi um pouco na sorte lá atrás, mas hoje isso é cultivado. Temos um acordo de família que estabelece as condições para um membro da família estar aqui trabalhando. O objetivo é que os valores não se percam ao longo das gerações. Problema sempre terá, mas não me lembro de nenhuma divergência entre nós que tenha provocado uma paralisia no processo decisório. Hoje, a nossa harmonia é sublime. Brevemente, talvez, teremos uma transição de gerações. Não sei se nossos filhos vão querer continuar aqui dentro, isso cabe a eles resolver, não há qualquer tipo de obrigação ou pressão. Tudo com muita tranquilidade. Penso que empresas jornalísticas ligadas a famílias tradicionais do jornalismo têm um diferencial importante.

É uma vantagem competitiva?

Sem dúvida. A família tem de saber qual é o papel de uma empresa de jornalismo. É algo diferente dos demais negócios. É meio intuitivo. Nós nunca sentamos para conversar, mas eu tenho, desde sempre – e espero conseguir passar isso para as próximas gerações que venham a assumir, caso sejam da minha família – a noção de que a gente está aqui cuidando de alguma coisa que vai além de ser dono de uma empresa. O dono de uma empresa qualquer tem aquilo ali para o seu benefício. Essa noção de que cuidamos de algo que é quase um bem público é importante para refletirmos muito sobre as decisões tomadas. Nem sempre devem ser as melhores para o patrimônio da família. Muitas vezes essas decisões vão nos colocar numa situação de conflito de interesses: entre o que é melhor fazer pelo jornalismo e o que é o melhor a ser feito pelo negócio. Se você tem claro que você está aqui cumprindo um papel para o longo prazo, de preferência para a eternidade, você fica com mais tranquilidade para tomar essas decisões, mesmo que elas signifiquem algum contratempo para o lado empresarial do negócio.

É um equilíbrio complicado.

É. Isso ninguém nunca me falou. Meu pai nunca conversou comigo sobre isso. É uma noção que você vai pegando, incorporando e entendendo como as coisas funcionam. Eu vejo jornalistas que trabalham conosco exatamente com essa noção. Eles estão a serviço do público, têm o sentimento de que trabalham para o público e não para a família Lindenberg.

Como o senhor enxerga a Rede Gazeta aos 100 anos?

Queria te responder essa pergunta com mais segurança (risos). Em primeiro lugar, eu gostaria que fosse uma empresa que estivesse num país um pouco menos turbulento. Sobre o negócio, acho que teremos uma empresa muito mais próxima do usuário. Estamos caminhando muito neste sentido, de conhecer cada vez mais os hábitos de consumo. Uma empresa muito mais informada, com capacidade de fazer um produto mais de acordo com o que o público espera. Espero que estejamos com os nossos valores intocados (volta a mostrar o manual Rede de Valores). Vejo hoje aqui um time muito bom, que toca uma empresa ágil e que poderia estar fazendo isso em qualquer outra empresa do Brasil. Isso me dá muito orgulho. E acho que daqui a dez anos a Gazeta estará consolidada como uma empresa regional, mas que é um exemplo para todo o Brasil. E, claro, comemorando muito os nossos 100 anos! Que é um marco. Uma empresa, no Brasil, que consegue superar a barreira dos 50 solta foguetes. Nós chegaremos aos 100!

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