Entrevista

Letícia Lindenberg: transformações constantes, valores imutáveis

A Diretora de Transformação da Rede gazeta, Letícia Lindenberg, tem o desafio de orquestrar mudanças profundas na empresa, que vão muito além da tecnologia, envolvem hábitos e cultura

Bernardo Coutinho

especial

À frente da Diretoria de Transformação, criada ano passado para ajudar a conduzir a Rede Gazeta para um novo patamar, baseado na era do digital, Letícia Lindenberg tem o desafio de orquestrar mudanças profundas na empresa, que vão muito além da tecnologia, envolvem hábitos e cultura. Cercada por diretores homens, é uma das únicas mulheres no cargo e se autointitula como “árdua defensora da igualdade feminina atualmente”. Em sua trajetória, que começou em 1991 como estagiária, passando pela efetivação em 1993, na Assessoria de Comunicação da Rede, onde ficou até 2008, quando foi convidada para a gerência de Marketing e assumindo depois a gerência de Comunicação, Letícia acompanhou diversos modelos de negócios, o surgimento de novas plataformas e a mudança de comportamento de leitores e anunciantes. Hoje, já colhe o sucesso de um dos principais projetos dessa nova fase: O G2020, que virou referência para afiliadas da Globo de todo o Brasil.

Explique o que engloba a diretoria de Transformação. O que é e como atua?

Ao mudar as formas de as pessoas se informarem, consumirem notícias, e até dos próprios anunciantes, que também estão buscando novos modos de se relacionar com seus clientes, a gente precisa entender para onde está indo esse mundo e fazer as adaptações necessárias. A Gazeta já passou por inúmeros processos de mudanças, mas agora é uma mudança muito mais radical no modelo de negócios, principalmente pela necessidade de mudança de cultura nas pessoas que estão aqui dentro. A área de Transformação vem com a proposta de dar um suporte para a empresa fazer as mudanças necessárias. Estamos trilhando esse caminho passo a passo, mas a velocidade das mudanças é em espiral. Então, se não tiver um projeto consistente e muito bem planejado e executado, você corre o risco de se desviar dos objetivos. Dentro da estrutura, a gente tem um escritório de projetos, que faz o controle, a administração e a gestão de todos os projetos estratégicos para a empresa. A gente define etapas, ações, responsáveis, cronograma, indicadores de performance, dá todo esse suporte organizacional. E outra gerência dentro da diretoria é a área de comunicação e relacionamento institucional, que é a área de contato com cliente, e também a área de comunicação interna, que motiva as pessoas e promove engajamento. Não tem projeto que vá para a frente se não tiver uma boa comunicação trabalhando por ele.

Quais os principais desafios?

O principal desafio é conseguir transformar a empresa, fazer mudanças radicais como são as que a gente está promovendo, sem deixar a peteca cair, porque a empresa tem que continuar funcionando. Querendo ou não, a mídia tradicional ainda é nosso maior ganha-pão e ainda é também o meio mais consumido, apesar de as pessoas terem a ilusão de que é a internet, mas não é, ainda continua sendo a TV – e crescendo, inclusive. Então não pode porque está olhando para o futuro digital se desprender do que ainda é nosso maior sustentáculo. Fazer toda essa mudança sem poder parar é desafiador. É aquele velho clichê: é trocar o pneu com o carro andando.

Outra questão é que a mídia hoje tem tantos concorrentes...

Tem os visíveis e “óbvios”, mas a gente concorre também com o tempo das pessoas. O tempo que antigamente se tinha para se informar, para sentar e ler o jornal de manhã, tomando aquela xícara de café, basicamente não existe mais. As pessoas hoje têm mil coisas ao mesmo tempo, não só pelas facilidades de tecnologia, mas também porque a vida tomou outra dinâmica também. É preciso oferecer para nosso cliente um portfólio de soluções para os problemas de comunicação dele. Então a gente deixa de ser uma empresa que vai vender mídia para vender uma solução de comunicação. Ela pode passar por mídia, mas pode fazer algo segmentado, pode fazer ação de relacionamento com cliente, pode usar esses novos meios de redes sociais... Hoje a Gazeta admite entregar uma solução que venha de parceria com terceiros, por exemplo, para entregar o melhor resultado para o cliente. Essa é uma mudança importante para a cultura da Gazeta.

E as principais realizações? Alguma marcou em especial?

O primeiro grande projeto: o G2020, que foi a quebra das unidades de negócios. E inclusive foi o segundo projeto de empresas de comunicação no Brasil que implementou esse tipo de unificação. Antes, cada veículo tinha sua unidade própria (jornais, televisão, rádios, internet, e assim por diante). Em outros tempos, esse modelo fez sucesso e foi importante para os resultados da Gazeta, mas hoje a gente vive um momento em que nossa união efetivamente faz a força, então a gente precisa estar junto, integrado, e todo mundo tem que sentir que está sentado no mesmo barco e, se alguém remar para o outro lado, o barco vai ficar rodando e não vai pra frente. Então a primeira mudança do G2020 foi acabar com os muros que tinha aqui. Com implementação de tecnologia, sistema novo, de programa, revisão de processos, a gente principalmente está tentando mudar a forma como as pessoas aqui enxergam o cliente, como buscam solução para o cliente. Tem conhecimento técnico também, porque quem antes só vendia rádio hoje tem que vender tudo e entender tecnicamente daquilo que está vendendo. A princípio, a implementação seria em três fases, mas quando levamos o projeto à Globo para aprovação, a Globo nos lançou o desafio de implementá-lo de uma única vez e já chegarmos no Natal com uma estrutura nova. E fizemos. A virada foi no dia 1º de setembro do ano passado, e deu tudo certo. Claro que tem falhas aqui e acolá, até hoje corrigimos coisas, mas foi um grande orgulho porque conseguimos atender esse chamado, e as equipes estavam muito motivadas.

 Em 90 anos, muita coisa mudou. O que não mudou e não deve mudar na Rede Gazeta?

A nossa espinha dorsal, que trouxe a gente de 1928 até aqui, são os valores que permeiam nossa empresa. Parafraseando nosso ilustre ministro Magri, isso pra gente é “imexível”. Enquanto a empresa for da nossa família, nossos valores não mudam. Enquanto a gente tiver em mente que, primeiro: nós prestamos um serviço de utilidade pública, portanto é a serviço do interesse público que nós temos que trabalhar, acima de qualquer coisa, acima de às vezes, infelizmente, ter que bater de frente com cliente ou anunciante. Enquanto a gente bater firme na nossa integridade, que a primeira coisa que tem na nossa frente é o interesse público pela notícia, pela verdade, por aquilo que precisa transformar para melhor a nossa sociedade, não se calar diante das adversidades e das coisas que tanto chocam a gente. O papel da imprensa é ajudar a sociedade a evoluir. Isso a gente não pode mexer. Se vai ser digital, se vai ser papel, se vai ser por sinal de fumaça, não interessa. O que interessa é: pensar no interesse comum da população e não se curvar nem deixar de se indignar com o que está errado e precisa ser mudado.

Na Rede Gazeta, as mulheres sempre tiveram espaço de destaque e exerceram lideranças importantes, com voz ativa, como sua avó e sua mãe. Hoje você ocupa um dos cargos mais importantes da empresa. Que influência essas mulheres tiveram para sua carreira? São exemplos?

Minha mãe e minha vó sempre me influenciaram como pessoa, sempre foram exemplos de caráter, me ensinaram muito, me espelhei muito nelas como pessoa. Como profissional, tenho enorme admiração pelo trabalho da minha mãe, vi o que ela fez enquanto trabalhei junto dela, o que ela conquistou de respeito das pessoas pelo trabalho dela, até hoje. Sempre fui uma grande admiradora. Mas o meu trabalho sempre trilhei com minhas convicções, com meus conhecimentos, um pouco de feeling. Tenho pessoas, homens e mulheres, com características profissionais que admiro e onde me espelho.

Considera importante essa questão da igualdade de gênero?

Sou árdua defensora atualmente da igualdade feminina. Considero muito importante. Existe ainda uma discrepância muito grande. Vou ser bem honesta, durante muitos anos, falava: “Nossa, na próxima encarnação quero ser homem”. Porque achava que ser homem era descomplicado, que as coisas eram tão mais fáceis para os homens em todos os sentidos, desde a hora de se arrumar para ir trabalhar até a forma como decidem. Achava que mulheres eram mais complicadas. Depois comecei a refletir um pouco mais e hoje em dia me envergonho de ter pensado assim. Tenho o maior orgulho de ser mulher e não tenho mais vergonha de contestar as pessoas.

Essa discrepância existe na Rede Gazeta?

A Rede Gazeta respondeu durante muitos anos os indicadores de responsabilidade social do Instituto Ethos. E um dos segmentos analisados é o RH, ou seja, as pessoas que estão na sua empresa. Aí você começa a olhar onde você está falhando, começa a enxergar coisas. Porque, por mais que a gente verbalize que não discrimina mulher, que quando vai recrutar não olha se é homem ou mulher, olha o currículo, olha as competências... A gente prega isso, espero que ninguém na Gazeta esteja pensando assim: “Vou contratar esse homem porque mulher vai ter licença-maternidade, vai ter cólica...”. Espero que ninguém esteja pensando assim. Então, efetivamente, não existe uma discriminação clara e aberta, nem nenhuma política que coloque isso. Agora, se eu pegar uma planilha e juntar os dados, vou olhar e dizer: existe uma discriminação. Porque existe diferença em termos numéricos e existe uma diferença salarial, que está sendo corrigida, mas existe. Existe na Gazeta e na maioria das empresas. Então o que é isso? Por que tem isso? Onde está a origem desse problema? Isso tem que ser revisto. Já está sendo.

Já recebeu tratamento diferente por ser mulher? Sofreu discriminação?

Já sofri sim. Até em tom de brincadeira, mas quando a brincadeira é desrespeitosa, eu chamo a atenção. De forma geral, existe diferença, existe discriminação e, lamentavelmente, é feita até por mulheres também. O mundo se acostumou com um certo padrão, e as pessoas não percebem que discriminam nos pequenos comentários, nas pequenas coisas.

Que Rede Gazeta você quer para daqui a 10 anos?

A gente já tem discutido um pouco sobre isso, sobre o centenário da Gazeta. E 10 anos não parecem tanto tempo, mas na velocidade que as mudanças estão acontecendo, a gente não tem ideia de o quanto pode realmente mudar. Espero que a Gazeta continue protagonista no Espírito Santo, cumprindo seu papel de informar e ajudar a desenvolver este Estado, de estar ao lado da população discutindo tudo que é importante e sendo reconhecida pela população por esse papel. Se nossas notícias vão ser enviadas por redes sociais, se ainda vai existir rede social, eu não sei. Mas estaremos firmes em prestar um bom serviço de informação e focado no capixaba.

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