Pó vendido em material de construção usado para dar cor à gasolina e um subproduto do petróleo que causa estragos no carro. A esse ponto chegou a adulteração de combustíveis no Espírito Santo, de acordo com investigações da Operação Lídima, deflagrada no último dia 3 de dezembro, quando 14 pessoas foram presas no Estado. Entre elas, o empresário Adriano Scopel, que já tem envolvimento em outros crimes. Scopel foi condenado por importar motocicletas de luxo ilegalmente em 2012 e, neste ano, foi acusado pela ex-esposa de agressão. Na última sexta-feira (14), após pagar uma fiança de quase R$ 1 milhão, o empresário - conhecido pela vida de luxo que ostenta nas redes sociais - saiu da cadeia.
Neste domingo (16), a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp) divulgou mais informações sobre como funcionava o esquema de adulteração de combustíveis. O caso também foi abordado em uma reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo.
Por vezes, identificamos a utilização de produtos totalmente desconformes do que a técnica detalhada pelos órgãos de fiscalização. Verificamos adição de pó xadrez, um tipo de pó corante para massa de cimento, de tinta... E era adicionado em proporções empíricas para se chegar à cor adequada (do combustível, como a gasolina), afirmou o gerente do Nuroc, delegado Raphael Ramos.
A Operação teve a participação do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc), da Secretaria de Estado da Segurança Pública, e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Espírito (MPES).
PROBLEMAS NO CARRO
De acordo com o delegado, consumidores que abasteceram os seus veículos com a gasolina adulterada apresentaram problemas em seus veículos. Teve gente que teve de mandar o carro para consertar o motor. Diversos tipos de reclamação. Não temos dúvida que isso tem a ver com o combustível adulterado, revelou Raphael, que complementou sobre até a presença de queixas quanto a quem adquiria o produto modificado para comercialização.
Um motorista que abasteceu o carro em um posto da rede Atlântica, na Grande Vitória, falou dos problemas que teve no veículo ao Fantástico. "Eu acelerava o carro, ele não desenvolvia. E o carro teve que ir para a oficina. Na oficina, o meu mecânico constatou que o problema era o combustível. Eu tive que gastar em torno de R$ 850, por aí".
Revoltado com o golpe, o motorista escreveu no vidro traseiro do carro: "Gasolina ruim. Posto Atlântica. Batizada. Não comprem".
"Hoje, eu estou sendo processado na Justiça porque denunciei esse rede Atlântica nesse posto onde abasteci".
A reportagem informou que a ANP está analisando a gasolina vendida no posto para tornar providências.
Segundo o dono de oficina mecânica, Henrique Caldas, o motor foi construído para trabalhar com determinado combustível. "No caso, gasolina, álcool ou os dois. Se tiver adulteração, com certeza, além do funcionamento do motor não ficar legal, vai danificar essa peça (o bico injetor)".
DICAS
Observe se o carro engasgou e se o consumo aumentou. Evite abastecer em posto onde o combustível está com preços muito baratos.
OUTRO LADO - REDE ATLÂNTICA
À TV Gazeta, a distribuidora Atlântica Petróleo informou que não é alvo de investigação na Operação Lídima. Disse ainda que foi fiscalizada pela Agência Nacional do Petróleo no dia 3 de dezembro, e foi autorizada a manter as suas operações, pois nenhuma irregularidade foi constatada. A Atlântica ressalta que o combustível que distribui para postos de sua bandeira é exatamente o mesmo de outras distribuidoras que abastecem o Estado e que, embora os postos ostentem a bandeira da distribuidora, a operação e funcionamento de cada um são responsabilidade do proprietário, ou seja, a distribuidora não exerce qualquer influência, controle ou administração do produto que é vendido na bomba.
A polícia não informou a lista dos postos que vendem combustível adulterado, porque isso pode atrapalhar a investigação, que ainda está em andamento. Além de batizar combustível, a investigação também aponta sonegação de impostos.
OUTRO LADO - ADRIANO SCOPEL
A defesa do empresário Adriano Scopel afirmou que não vai se pronunciar porque o caso está sob segredo de Justiça.
DOIS ANOS DE INVESTIGAÇÕES
As investigações se iniciaram há dois anos e a chegada de uma grande carga de nafta ao Espírito Santo, de cerca de 4 milhões de litros do produto, levantou suspeitas.
A nafta é um derivado obtido quando o petróleo é destilado, da mesma forma que a gasolina. Só que a nafta não é combustível. É usada em indústrias químicas na fabricação, por exemplo, de resinas, solventes e borrachas.
O Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc) concluiu o inquérito da Operação Lídima na última semana e encaminhou para o Ministério Público Estadual. O Nuroc continua analisando o material encontrado durante as buscas.
PRESOS
Dezessete pessoas foram presas na Operação Lídima. No Espírito Santo, 14 pessoas foram presas, incluindo empresários e funcionários. Em São Paulo, três pessoas foram presas.
As fraudes têm envolvimento de pessoas no Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, de acordo com os levantamentos feitos até agora. A auditoria e o prejuízo total aos cofres públicos estão sendo levantados pela Sefaz/ES, que faz diligências fiscalizatórias em todos os estabelecimentos envolvidos.
LUCRO
A Agência Nacional do Petróleo suspeita que 40 milhões de litros de nafta tenham sido importados para fraudar gasolina nos últimos dois anos. Isso poderia gerar quase R$ 60 milhões (R$ 58,7 milhões) para a quadrilha, de acordo com reportagem do Fantástico.
CRIMES
As investigações, realizadas em parceria entre o Nuroc e o Gaeco, permitiram levantar provas da prática de crime de sonegação contra o consumidor, contra as relações de consumo e formação de um cartel para a revenda e a distribuição de combustível. Além da prática de lavagem de dinheiro e crime de organização criminosa.
O monitoramento indicou adulteração, venda de combustível de baixa qualidade, sonegação de forma intensa e um cartel dominando o mercado, prejudicando até o comércio de álcool. Esses sonegadores atravessavam a distribuição trazendo álcool, que seria utilizado para outros fins e que tem uma tributação menor, para os postos de combustíveis. Isso permitia o aumento do lucro e um preço mais em conta na bomba, afetando a concorrência no mercado. A sonegação é milionária, mas não se tem valores ainda. Esse levantamento está sendo feito pela Sefaz. Inevitavelmente, serviços públicos, como educação e saúde, são prejudicados, uma vez que esse dinheiro deixa de entrar nos cofres do Estado para ser reaplicado para a sociedade, explicou o coordenador do Gaeco, o promotor de Justiça Bruno Simões Noya de Oliveira.
Se o álcool sai de uma usina para uma empresa de fachada, como nós constatamos, e vai para um posto de gasolina, 40% desse preço não é tributado pelo Estado. E esse dinheiro do álcool deixa de ser aplicado em escola, no posto de saúde, nas estradas das comunidades. Isso não chega nas mãos dos gestores públicos, porque esses empresários criminosos acabam desviando, completou o gerente do Nuroc, delegado Raphael Ramos.
BUSCA E APREENSÃO
Além dos mandados de prisão, foram cumpridos 45 mandados de busca e apreensão nos Estados do Espírito Santo e de São Paulo, expedidos pela 5ª Vara Criminal de Serra (ES), além da efetivação do bloqueio de bens e ativos produto dos crimes investigados.
A Operação Lídima contou com a participação de quatro delegados capixabas, cinco promotores de Justiça do Gaeco, 84 policiais civis capixabas, oito peritos oficiais criminais, 23 policiais militares da Assessoria Militar do MPES, 16 policiais militares com viaturas caracterizadas das unidades da PM (4º, 6º e 7º BPM e da 12ª Companhia Independente), oito fiscais da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), 28 auditores da Sefaz-ES e sete profissionais da Receita Federal, além de equipes da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
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