> >
Contradições marcam combate à corrupção no governo Bolsonaro

Contradições marcam combate à corrupção no governo Bolsonaro

Pacote contra o crime foi lançado pelo ministro Sérgio Moro em meio a decisões polêmicas

Publicado em 6 de fevereiro de 2019 às 02:55

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

O pacote anticrime anunciado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, surge após uma série de sinais trocados do governo de Jair Bolsonaro (PSL) – acumulados em apenas um mês à frente do Executivo – sobre a pretensa postura de tolerância zero com crimes de qualquer natureza, sobretudo os de corrupção. Há dúvidas, porém, se as medidas serão capazes de diminuir a pressão sobre o presidente, principalmente por conta das explicações que ainda precisam vir à tona no caso das transações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Sérgio Moro é o ministro da Justiça e Segurança Pública. (Isaac Amorim/MJSP)

Apesar das intenções de Moro, as propostas legislativas ainda carecem de profundos debates. Poderão ser alteradas ou barradas. E, se aprovadas, não serão capazes de produzir, em curtíssimo prazo, efeitos capazes de minguar a sensação de insegurança e os índices de criminalidade propriamente ditos. Ao menos boa parte delas.

“O pacote não tem poder de anular todos os desgastes que o governo sofreu. Teria, se seus resultados fossem imediatos. Mas não vai acontecer. A questão da violência é demorada. O simples fato de apresentar o pacote não vai colocar a sociedade em lua de mel com o governo e fazê-la parar de cobrar com relação ao Flávio Bolsonaro”, avaliou Rodrigo Prando, professor de Ciência Política da Universidade Mackenzie.

Professor de sociologia política da UVV, Paulo Edgar Resende não dissocia o pacote apresentado pelo ministro da Justiça da preocupação do governo com melhorar a imagem no campo ético, bandeira vigorosamente agitada por Bolsonaro na campanha eleitoral.

“Essa questão da imagem é a que mais está em jogo. Colocar o crime de caixa 2 como algo mais grave, que é uma das medidas da proposta, já passou pelo Congresso e não foi aprovado. E provavelmente haverá resistência dos congressistas e de pessoas próimas ao presidente. Quando o ministro da Justiça faz lei severa contra esse tipo de crime, talvez tenha sido para passar a imagem de que não quer tolerar qualquer tipo de crime”, frisou.

Na avaliação de Rodrigo Prando, o pacote, apesar de tudo, é uma boa sinalização ao país.

“São dois os pontos que o governo Bolsonaro tem como principais metas. Uma é a reforma da Previdência. O outro é esse pacote antiviolência e anticorrupção. E tem dois ministros simbólicos no governo. O Paulo Guedes e o Sérgio Moro. O governo aposta bem sua ficha nessas áreas”.

Na hipótese de as medidas serem bem-sucedidas, ganha o governo e também ganha o próprio Sérgio Moro. “Se sair bem feito, será um ganho. Se o Brasil diminuir a morte por violência, o Sérgio Moro se coloca como possivel candidato à presidência da República. E ele pretende construir um plano de segurança como se fosse um Plano Real. Tem algo de simbólico nisso”, frisou Rodrigo Prando.

Além da cautela quanto ao prazo para eventuais impactos das medidas legislativas, há, na visão de Prando, riscos de reações conturbadas dentro do governo. Uma disputa interna poderia prejudicar o bom andamento das medidas necessárias. “O governo Bolsonaro não tem um núcleo duro em que todos dialogam e têm as mesmas ideias”, frisou Prando.

RESULTADOS

Um outro ponto que pode, ainda, diluir impactos do pacote de Moro nos resultados do governo diz respeito aos efeitos práticos das medidas. Para Paulo Resende, a proposta de autorizar juízes a reduzirem penas de policiais que “cometerem excesso” decorrente de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” pode ter um efeito contrário.

“Isso pode ter uma consequência prática e imediata, a de aumentar o número de assassinatos cometidos por policiais. E se é para combater o crime, todos os tipos precisam ser encarados”, opinou.

O professor também alerta para o aumento do encarceramento, outro possível impacto das propostas. Para ele, a redução da violência não passa por mais prisões ou por aumento do tempo de prisão.

SUSPEITA E DECRETOS

A promessa de agir e reagir diferentemente de “tudo isso que está aí” acaba por ampliar a repercussão negativa de qualquer ato que fuja dos parâmetros da lisura. E, nas primeiras semanas de governo, que geraram desconfiança na opinião pública.

As mais graves envolvem o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Além da investigação do Ministério Público do Rio contra seu ex-assessor Fabrício Queiroz, o primogênito do presidente homenageou companheiros de batalhão de ex-capitão da PM apontado pelo MP do Rio como chefe da milícia do Rio das Pedras e do chamado “Escritório do Crime”.

O próprio Jair Bolsonaro, quando deputado federal pelo PP, discursou no plenário da Câmara, em 2005, em defesa do ex-policial apontado como chefe da milícia.

Ainda em meio às polêmicas transações de Flávio Bolsonaro, o Banco Central queria excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras.

Houve, ainda, o decreto do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) que autoriza servidores comissionados a imporem sigilo ultrassecreto a dados públicos.

ENTENDA

Pacote de Sérgio moro

O que é?

O ministro da Justiça apresentou medidas contra a violência e a corrupção. Ao todo, são 14 propostas de alterações legislativas que precisam, ainda, passar pela análise do Congresso Nacional.

Caixa dois

Entre as propostas, a de tipificar claramente o crie de caixa dois. Hoje, ele é enquadrado como falsidade ideológica.

Administração pública

Outro ponto do pacote é fazer com que condenados por crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e peculato cumpram pena inicialmente no regime fechado. Hoje, esse regime só é aplicado para condenações superiores a oito anos.

Milícias

Sérgio Moro também pretende que seja especificado na lei que tanto facções do tráfico de drogas quanto milícias sejam classificadas como organizações criminosas.

Sinais trocados

Exemplos

Apesar da bandeira da tolerância zero contra crimes de qualquer natureza, o início do governo de Jair Bolsonaro foi marcado por uma pequena coleção de fatos que vão de encontro à lisura total prometida por ele durante a campanha eleitoral.

Ministro

Onyx

O chefe da Casa Civil do governo é Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Foi escolhido para o cargo mesmo tendo admitido que recebeu dinheiro de caixa dois da JBS.

Reação

Sérgio Moro, ainda no final do ano passado, foi provocado a comentar a situação de Onyx, seu então futuro colega de ministério. Disse que Onyx tem sua confiança pessoal e que “ele mesmo admitiu (o caixa dois) e tomou providências para repará-los”.

Queiroz

Assessor do Filho

Em etapa da Lava Jato do Rio, deputados estaduais daquele Estado foram investigados. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mostrou movimentações atípicos de funcionários comissionados de assessores dos parlamentares. Entre eles, Fabrício Queiroz, ex-assessor do ex-deputado Flávio Bolsonaro.

Movimentações

Apenas entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, o Coaf apontou movimentação de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz. Chamaram a atenção os vários saques no mesmo dia.

Elo

Entre as movimentação de Queiroz, um cheque de R$ 24 mil para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro

O filho

Entre junho e julho de 2017, Flávio recebeu 48 depósitos em sua conta, sempre de R$ 2 mil. Ele foi ao STF pedindo para paralisar a investigação. Conseguiu, mas ela já foi reiniciada.

Decreto

Acesso à informação

O vice-presidente Hamilton Mourão baixou um decreto que permite a servidores comissionados a impor sigilo ultrassecreto a dados públicos.

Menos transparência

O decreto foi considerado um retrocesso na Lei de Acesso à Informação. Entidades como a Transparência Brasil e a Associação Contas Abertas reagiram. A medida não foi discutida com a sociedade nem detalhou as reais intenções que ela guarda.

Banco Central

Filhos de políticos

Em meio à polêmica envolvendo as transações de Flávio Bolsonaro, o Banco Central quis excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras.

Coaf

A proposta era derrubar a exigência de que as transações bancárias superiores a R$ 10 mil fossem notificadas ao Coaf.

Reação

Com a repercussão negativa, o ministro Sérgio Moro disse que a proposta não tinha a ver com o governo de Bolsonaro, mas com a atual gestão do Banco Central, escolhida pelo governo de Michel Temer.

Descartada

Este vídeo pode te interessar

Com a repercussão negativa da proposta, o Banco Central recuou e desistiu da ideia

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais