Entrevista

José Dirceu diz que governo do PT devia ter dialogado mais com o povo

Ex-ministro diz que o partido pecou na mobilização do povo, ainda que os governos petistas tenham, em sua opinião, conquistado avanços sociais

GUSTAVO ANDRADE/O TEMPO/AE

No Espírito Santo desde a noite de domingo (9), o ex-ministro José Dirceu veio ao Estado para lançar o livro "Zé Dirceu. Memórias - Volume 1". Em entrevista ao Gazeta Online, o petista apontou erros e acertos do primeiro mandato do ex-presidente Lula, do qual participou como ministro da Casa Civil.

Para ele, o partido pecou na mobilização do povo e poderia ter dialogado mais com suas bases, ainda que os governos petistas tenham, em sua opinião, conquistado muitos avanços sociais ao Brasil, principalmente na distribuição de renda.

Após deixar a prisão em agosto, beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o autorizou a aguardar o julgamento de recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em liberdade, Dirceu disse que não vai subir em palanques durante a campanha eleitoral, por uma decisão pessoal. Mas afirma que ainda tem influência política e "um público enorme".

Sobre as pretensões eleitorais do partido, Dirceu acredita que a decisão de manter Lula como candidato à Presidência até o último momento foi acertada. O ex-ministro diz que não seria o partido que teria o papel de retirar esse direito do ex-presidente e que "o ônus de banir Lula da vida política, contra a vontade da população, terá que ser da Justiça".

Para ele, há tempo suficiente para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) fazer a transferência dos votos de Lula para sua campanha e que "não há temor em perder para o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL)", algo que Dirceu acredita ser improvável.

O que motivou o senhor a escrever o livro?

Meu livro foi escrito para minha filha, ou seja, para as futuras gerações. As gerações que estão em crescimento no país. Conta um pouco da minha história. De um menino que veio de Minas Gerais para ser office boy em São Paulo, estudar no curso científico e entrou na luta contra a ditadura militar, participando da Geração de 1968, que fez uma revolução de comportamento cultural no país. É a história de quem foi preso pela ditadura e que foi trocado pelo embaixador americano que foi sequestrado. De alguém que foi para Cuba e voltou para lutar contra a ditadura, de quando troquei de nome, fiz plásticas e vivi clandestino no Brasil. Depois, conto da fundação do PT e da luta que tivemos para eleger o Lula. É um pouco da história do Brasil nos últimos 50 anos e também dos meus companheiros que caíram durante a época do regime militar. Foi a maneira que encontrei na prisão para combater a solidão, a saudade da família e dos amigos. Todos os sábados e domingos, eu escrevia. Foram 700 páginas escritas em folhas de papel a caneta, sentado em uma cama, com uma luz ruim. Um exercício de memória para deixar registrado a luta que vivi, participei e participo ainda.

Qual é a reflexão que o senhor faz no livro sobre o período em que participou do governo Lula?

Este livro vai até 2007. Estou escrevendo, para publicar no ano que vem, o segundo volume com maior foco no segundo governo Lula. Mas de qualquer maneira, minha reflexão é de que houve, sim, erros e acertos. Os acertos foram nos avanços sociais que conquistamos, do crescimento do emprego e da distribuição de renda. Os erros foram não ter mobilizado tanto o povo. Tínhamos que ter mobilizado mais o país, ter discutido mais com o povo. Devíamos ter feito uma reforma política, que o Lula chegou até a propor em 2006, mas o Congresso não deu ouvidos. Como a presidente Dilma também propôs uma mudança constitucional e o Congresso também não deu ouvidos. Agora, tivemos essa reforma mal ajambrada, que foi feita no ano passado.

O senhor já admitiu que um dos seus erros foi ter acumulado muitas funções na articulação política do governo. Por que afirmou isso?

Na prática, por muitas razões, acumulei a Casa Civil e a Secretaria Geral de Governo. Por um lado, foi importante eu ter acumulado, porque eu pude consolidar uma maioria para o governo e aprovar os principais projetos. Por outro lado, eu preferia e queria me dedicar mais ao governo, mas implementar os grandes programas na área da saúde, da infraestrutura, da educação, na área do combate à pobreza, que foram levados à prática no país. 

Como o senhor avalia a decisão de ter mantido Lula como candidato a presidente até o último instante, mesmo podendo ser barrado pela Lei da Ficha Limpa?

Eu considero que foi acertada, porque ele é o candidato do PT e da maioria do eleitorado brasileiro. Quem está impedindo ele de ser candidato é a Justiça, não podemos fazer o serviço para a Justiça. Ela tem que ficar com o ônus de banir Lula da vida política do país, contra a vontade da maioria do eleitorado. Está nas pesquisas que ele ganharia no primeiro turno. Não transitou em julgado ainda. A própria lei permite que todas as campanhas sejam feitas até o trânsito em julgado. Se isso não está acontecendo é porque a Justiça tomou essa decisão, não é porque o presidente não quer.

Essa decisão não atrapalha a estratégia de eleição do Fernando Haddad e do PT, que ficam com um tempo menor para fazer a campanha?

O tempo é mais que suficiente para levar o nome do Haddad para o Brasil todo e colocá-lo no segundo turno. Hoje, a Executiva vai se reunir e dar entrada com o registro do nome. Não podemos e não devemos tirar o nome de Lula até o tempo que a lei permite, no próximo dia 11. Ele tem total condição de chegar no segundo turno, pelos debates que ele vai fazer, pelos programas de televisão e pela força que o PT e o PCdoB têm. Temos força para chegar lá.

Com Lula preso, acha que o PT está preparado para fazer política sem o ex-presidente?

Nós queremos Lula livre, ele deveria estar livre. Agora, o Haddad é a prova que existem novas lideranças. Sempre surgem novas lideranças e o Lula sempre foi, aliás, um dos principais incentivadores de novas lideranças. O Lula na prisão não significa que ele não dirige, não coordena e não participa. Eu estive preso e não deixei de participar. É uma questão de ter disciplina e se organizar para participar, até porque a lei permite.

Como o PT pode combater a forte rejeição que ele enfrenta no eleitorado, principalmente após os movimentos de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff?

Rejeição existe a todos os candidatos. O Lula não é, inclusive, o mais rejeitado. O PSDB tem 61% de rejeição no país. A rejeição do Geraldo Alckmin é maior que a do Lula. Não pode confundir rejeição política com rejeição pessoal. Há uma rejeição geral da população com a política. O PT é o partido de menor rejeição. Na série histórica, o partido está com 22% de rejeição. Só que o PT tem 29% de eleitores que têm opção partidária, enquanto o PSDB tem 4%. A rejeição do PSDB é muito maior que a do PT. O partido dialoga com esse eleitorado que é contra o PT.

O PT vai ser o partido mais votado na Câmara dos Deputados. Foi, desde 2002, e vai ser de novo. Nós governamos cinco Estados e estamos em quatro deles em primeiro lugar. Em Minas temos um empate técnico. Temos alguns Estados, como o Rio Grande do Norte, que podemos ganhar. Vamos fazer uma bancada maior para as assembleias legislativas e temos condição de eleger 10 senadores. Não vejo que o PT esteja em baixa. Rejeição existe, temos que combater isso, mostrar ao eleitorado quem é o PT, o que pensa, responder as críticas, mas não acredito que seja um problema hoje como foi há dois anos nas eleições de 2016.

Em uma pesquisa contratada pelo banco BTG Pactual, divulgada hoje, Bolsonaro chegou a 30%, Ciro está em segundo com 12%, e Marina, Alckmin e Haddad empatados com 8%. Que leitura o senhor faz para esta disputa?

Que o Haddad vai crescer dois pontos percentuais a cada pesquisa e vai chegar a 20% dos votos. Vamos disputar o segundo turno com Bolsonaro e vamos ganhar.

Há pesquisas que mostram Bolsonaro perdendo no segundo turno para quase todos candidatos, só não perde para Haddad. Como reverter esses números?

Há pesquisas que mostram que ele perderia para todos, menos o Alckmin. Assim como tem pesquisas que ele perderia para todos menos para o Haddad. Se fizer pesquisa na semana que vem (depois que o PT oficializar a candidatura do ex-prefeito) aí nós vamos ter uma ideia de como vai ser o Haddad no segundo turno. Ele vai ser candidato depois de ser colocado como candidato do Lula. Não tenho temor nenhum de perder para o Bolsonaro, no segundo turno. Acho bastante improvável. Eleição é eleição, é luta política, é crise, são fatores externos. Mas não acredito que ele perca.

Como o senhor vai atuar nas eleições. Vai subir em palanques?

Não vou atuar. Não faço parte da coordenação da campanha, não sou da direção do PT, estou apenas lançando meu livro pelo Brasil. Não vou participar da campanha.

Mas isso foi uma opção sua ou alguma determinação do partido?

Opção minha. Participo de campanha desde 1982. Já fiz muita campanha, está bom demais. Só não participei na de 2014, pois estava preso. Eu participo porque tenho público enorme, que me vê nos meios de comunicação, que conversa comigo. Não estou dizendo que eu não tenho influência política. Estou dizendo que não participarei de atos de campanha eleitoral.

Hoje o senhor tem agendas com a candidata a governadora do Espírito Santo, Jackeline Rocha (PT). Qual análise que o senhor faz do desempenho do PT no Estado e das condições de candidatura?

Os companheiros daqui têm consciência disso e estão lutando para recolocar o PT. Isso é uma caminhada, começa nesta eleição e continua para prefeituras depois. Nós vamos retomar. O PT já cresceu em outros Estados, isso faz parte da dinâmica da política. Outros partidos também já passaram por isso. O PT tem força política.

Há uma expectativa da delação do Antonio Palocci. Isso é uma preocupação para o senhor e para o PT?

Nenhuma. Até agora, as delações dele não têm prova nenhuma, até porque não foram aceitas. Já é a terceira vez que ele tenta, porque nunca tem prova. Como eu não conheço a delação, não tenho nenhuma preocupação, não perco um minuto de sono.

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