Entrevista

Presidente do TRE-ES: "Questionar urna é argumento de quem perde"

Para o desembargador, desconfiança sobre a credibilidade das urnas eletrônicas é uma espécie de lenda urbana

Gustavo Tenorio/TRE

Em tempos de teorias da conspiração, impulsionadas até abertamente por políticos e candidatos às eleições de outubro, a segurança das urnas eletrônicas tem sido colocada em xeque, ainda que sem nenhum elemento concreto e por pessoas que foram eleitas por esse mesmo sistema. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), Annibal de Rezende Lima, no entanto, reforça a confiança nas máquinas e avalia: "Tradicionalmente (questionar as urnas) é argumento de quem perde eleição. Até para justificar a sua própria derrota".

Ele sustenta que o voto em papel, como ocorria antes da implantação do voto eletrônico, é muito mais suscetível a fraudes. "É muito mais fácil haver fraude com a cédula de papel do que com a máquina".

É difícil, no entanto, frear boatos que circulam nas redes sociais e por WhatsApp, que parecem ter, para alguns, mais credibilidade que a própria democracia. O presidente do TRE, no entanto, diz que não acredita em uma ruptura democrática. Assim, seja qual for o resultado das eleições de outubro, quatro anos depois – o período para eleições gerais – haverá outra, destaca o desembargador.

Annibal de Rezende Lima critica, no entanto, a proposta do vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), general Mourão, de uma nova Constituição, elaborada por "notáveis" escolhidos pelo próprio governo e não por uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo. Essa nova Constituição seria submetida posteriormente a um plebiscito. O presidente do TRE considera a ideia "uma ruptura constitucional".

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"A Constituição pode ser alterada, sabemos disso, ela tem mecanismos que permitem a alteração dela. Mas a elaboração de uma nova Carta constitucional, só através de uma Assembleia Nacional Constituinte", afirma. As declarações foram feitas em entrevista concedida nesta sexta-feira (21), a 16 dias das eleições, na sede do TRE, em Vitória. 

CONFIRA A ENTREVISTA: 

O clima acirrado para a eleição presidencial preocupa?

A gente percebe que a sociedade brasileira está menos tolerante do que era anteriormente. As eleições deste ano estão despertando sentimentos que os brasileiros até então ignoravam. Mas acredito que possamos chegar ao final do processo eleitoral com uma certa pacificação social. Vai depender, evidentemente, dos candidatos e, sobretudo, daqueles que apoiam os candidatos. Mas realmente hoje o clima é muito difícil.

A preocupação com o clima acirrado era mais comum em eleições municipais...

Na eleição municipal há maior proximidade entre eleitores e candidatos, laços de parentesco, de amizade. Tradicionalmente, as eleições municipais foram sempre mais acirradas que as eleições gerais. Mas excepcionalmente esse ano a eleição presidencial é mais acirrada. No que tange à sucessão estadual, a gente percebe um clima de respeito mútuo. Mas a presidencial está exacerbando os ânimos, não só dos candidatos, mas da sociedade em geral.

Será necessário, por conta disso, um esquema de segurança maior do que o utilizado em outras eleições?

Tivemos uma reunião ontem (quinta-feira, 20) com a Polícia Militar e com a Polícia Civil, no sentido de passar orientações com relação à atuação das forças policiais para dizer sobre aquilo que constitui ou não constitui crime eleitoral. Mas teremos nestas eleições o mesmo quantitativo das eleições passadas.

Além do acirramento dos ânimos entre candidatos e eleitores, há um clima de descrédito da democracia em si. Há quem diga, brincando ou não, que o voto em outubro pode ser o último em muito tempo. Como se houvesse um risco de ruptura democrática.

Acho que a sociedade brasileira não permitiria uma nova ruptura democrática. Chegamos a um grau de maturidade que a vida institucional brasileira tem o cunho de irreversibilidade. Não creio que cheguemos ao ponto de estarmos agora realizando as últimas eleições. Acredito que teremos, sim, mais eleições.

A sociedade já amadureceu muito nos últimos 50 anos. Hoje nós temos uma geração que tem uma visão de mundo diferente da geração que tivemos no passado. A sociedade mudou.

Fora esse tom mais alarmista, há também os que temem outros danos à democracia. Tem um candidato a vice que propõe, por exemplo, uma nova Constituição, que não seria escrita por uma Assembleia Constituinte eleita pelo voto popular.

Aí haveria uma ruptura constitucional. A Constituição pode ser alterada, sabemos disso, ela tem mecanismos que permitem a alteração dela. Mas a elaboração de uma nova carta constitucional, só através de uma Assembleia Nacional Constituinte. Fazer uma nova Constituição sem convocar uma nova Assembleia Constituinte é realmente uma ruptura constitucional.

A elaboração de emendas à Constituição está prevista, com as hipóteses, os dispositivos que podem ser alterados e quais os que não podem ser, as chamadas cláusulas pétreas. Essas que não podem ser objeto de uma alteração constitucional derivada.

Há alguma orientação para as forças de segurança sobre como atuar em caso de conflito entre eleitores por causa do clima acirrado?

Pedimos que agissem com energia, mas com serenidade.

Outra coisa que marca esta eleição são as chamadas fake news. Não necessariamente esse termo se aplica, mas é como qualquer boato e mentira acabou sendo apelidado. E a própria Justiça Eleitoral acabou vítima disso, com dúvidas alimentadas, até por alguns candidatos, sobre o processo eleitoral e as urnas eletrônicas.

Temos dois jeitos de fazer a votação: ou a urna eletrônica ou a cédula em papel. É muito mais fácil haver fraude com a cédula de papel do que com a máquina. A máquina está aí funcionando há 22 anos e não há nenhuma acusação grave ou séria com relação às urnas eletrônicas. Quando as eleições eram através de cédulas de papel, toda eleição tinha notícias de fraude e até fraudes constatadas mesmo. É muito mais segura a urna eletrônica do que o voto em papel.

A que o senhor credita então essas desconfianças?

Acho que isso é lenda urbana.

Uma coisa é um boato, mas quando é um candidato ou pessoas eleitas por esse mesmo sistema em outras ocasiões que o colocam em xeque, não é mais grave do que uma simples lenda urbana?

Ninguém aponta um caso concreto. As pessoas colocam em dúvida, mas sem aprovar um precedente concreto que justifique aquela dúvida. A dúvida é posta no ar como um balão é posto no ar. Não tem "houve uma fraude aqui, vamos examinar essa fraude".

E qual é o prejuízo disso? E se um candidato, provavelmente o que perder, não reconhecer o resultado das eleições alegando isso, mesmo sem fatos concretos?

Não sei se quem perder vai dizer que houve fraude. Até porque, nesse caso, a pessoa precisaria apresentar elementos concretos pelo menos de indício de fraude. Eu acho que não há nem hipótese de haver indício de fraude, quanto mais fraude comprovada.

Mas quem ganhar é que não vai questionar ...

Esse é o argumento sempre de quem perde a eleição, tradicionalmente é argumento de quem perde eleição. Até para justificar a sua própria derrota.

Entre todas as atipicidades destas eleições, parece haver menos processos, menos denúncias aqui para o TRE (em relação a fake news, propaganda irregular, etc, sempre relacionadas às eleições estaduais).

Estas eleições estão sendo tranquilas (neste sentido). Já integrei o TRE em outras ocasiões, como advogado e como vice-presidente/corregedor da Casa. Desta vez, a propaganda está muito restrita, até por resoluções do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pela minha experiência, esta está sendo a eleição mais tranquila, surpreendentemente do ponto de vista de processos, denúncias e questionamentos.

Vai haver Lei Seca nestas eleições?

Isso não tem sido adotado. A última vez que foi adotada a chamada Lei Seca foi em 2010. Não vimos, pelo menos até o momento, a necessidade de adotar qualquer medida em relação ao comércio de bebida alcoólica no dia das eleições.

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