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Como chutar a transparência em sete passos
Do governador PH, na última sexta-feira: "Sou um homem de sorte: me casei com a mulher certa, nasci no Estado certo e toda vez que me candidato escolho o vice certo: Lelo, Ricardo e Colnago"
Na última quarta-feira, A GAZETA noticiou: em maio, o MPES denunciou cinco deputados ou ex-deputados por supostamente manterem funcionários fantasmas na Assembleia, desde 2008. A lista inclui até o atual presidente, Theodorico Ferraço. Ele e os demais argumentam o mesmo: não teriam agido fora das regras.
A questão é que, ao longo dos últimos anos, a Casa tem colocado em prática um temerário processo de afrouxamento das normas de controle das atividades dos assessores de gabinete. Os atos da Mesa Diretora, levantados pela coluna, não deixam a menor dúvida. Confira, em sete passos, como chutar para escanteio a transparência exigida de todo Poder:
1. Resolução 1905/1998
Editada em 1998, a resolução vigorou até 2011 e definia claramente as atribuições específicas dos até 18 comissionados que podem ser nomeados em cada gabinete. No caso de muitos cargos, as atribuições se limitavam expressamente a atividades administrativas e internas.
2. Resolução 2890/2011
Em janeiro de 2011, a Casa publica a resolução conhecida como “reforma administrativa da Assembleia”, prevendo a criação de “gabinetes externos”, nas bases eleitorais dos deputados.
3. PR 032/2011
Para regular o funcionamento dos tais “gabinetes externos”, o corpo técnico do Legislativo elabora o Projeto de Resolução 032/2011, estabelecendo um limite: a metade dos 18 assessores de cada gabinete poderia atuar externamente, desde que comprovassem os serviços realizados mediante relatórios diários, semanais e mensais. Em tese, era um projeto razoável, mas foi completamente desfigurado no passo seguinte:
4. Resolução 3123/2011
No apagar das luzes de 2011, a Casa publica a Resolução 3123/2011, em detrimento do projeto anterior, engavetado. Em vez de prever regras mais duras, o novo texto começa a legalizar a moleza. Suprime a necessidade de indicação formal e precisa dos assessores que exerceriam “serviços externos”, bem como a limitação do número de assessores dessa natureza e o controle das atividades efetivamente realizadas por cada um.
No lugar dessas restrições, institui que os 18 cargos de assessores podem ser indicados “para o exercício de atividades internas e externas” e “pressupõem o exercício de qualquer atribuição”. Além disso, tais funções seriam desempenhadas “com relativa autonomia em todo o território estadual”. Difícil ser mais vago.
5. PR 017/2012
Diante da aprovação da resolução acima, o MPES protesta junto à Assembleia. Externa à Mesa que as expressões genéricas usadas ferem o próprio conceito de cargo público. Também alerta para o risco de que a ausência de detalhamento das atribuições de cada cargo e de fiscalização da carga horária dos servidores desse margem a funcionários fantasmas.
Em setembro de 2012, já presidindo o Poder, Theodorico cria uma comissão encarregada de analisar e propor aperfeiçoamentos na estrutura da Casa. Os técnicos chegam a elaborar novo Projeto de Resolução (o 017/2012), com restrições muito maiores, assim como as do sepultado PR 032/2011, e o acréscimo de importante melhoria: os relatórios mensais de atividades deveriam ser publicados no Portal da Transparência.
6. Resolução 3366/2013
Como de praxe, contudo, os deputados voltam a sabotar a regulamentação dos “gabinetes externos” e fazem cortes radicais que desvirtuam o projeto da comissão. Em seu lugar, aprovam a Resolução 3366/2013, que mantém quase tudo como antes, mas pelo menos impõe um limite: até 8 dos 18 assessores poderiam atuar fora da sede do Legislativo.
7. Resolução 3994/2015
Em maio, a nova Mesa Diretora, ainda comandada por Theodorico, libera a farra de uma vez. Ignorando as recomendações do MP, escarnecendo da opinião pública e enterrando de vez a esperança de adoção de regras mais transparentes, aprova nova resolução, com amplo apoio do plenário, e libera todos os 18 assessores de gabinete de... trabalhar no gabinete.
Cena Política
Na cerimônia de reinício das obras da Leste-Oeste, o governador Paulo Hartung gozou do prefeito de Cariacica, Juninho, ao saudá-lo. Minutos antes, Juninho “roubou” o bordão de PH ao encerrar seu discurso: “Viva Cariacica! Viva o Espírito Santo!”. Tomando a palavra, Hartung não perdoou: “A nossa secretária da Fazenda, que cobra as dívidas do governo, vai mandar uma fatura para a sua residência. Não é dívida da prefeitura, mas de pessoa física, por direitos autorais. Esse negócio de ‘viva’ tem dono, meu filho”.
Só para lembrar...
O deputado Marcelo Santos (PMDB) é um dos cinco processados pelo MPES por supostamente manter funcionários fantasmas ou em desvio de função. Só para lembrar, o inquérito da Operação Naufrágio, de 2008, relata ligação, interceptada pela Polícia Federal, do então juiz Frederico Schaider Pimentel a Marcelo, pedindo ao parlamentar um cargo comissionado para certa moça. Ela chegou a trabalhar na Assembleia por três meses.
Apego a regalias
O líder do governo na Câmara da Serra, Luiz Carlos Moreira (PMDB), ainda não se conforma com o cancelamento do contrato de locação de um carro por gabinete e das cotas de combustível para os vereadores, medida tomada pela vereadora Neidia Pimentel (PSD), ao assumir a Presidência da Casa, no início do ano.
Incoerência de quem?
“É lógico que o veículo está fazendo falta. É incoerente ter assessores usando o próprio veículo (para visitar comunidades)”, protesta Moreira. Nunca é demais lembrar que o ex-deputado estadual foi membro da tropa de choque de José Carlos Gratz na Assembleia Legislativa.
Brecha perigosa
Por falar na Câmara da Serra, a resolução recém-aprovada que liberou até dez dos 15 assessores de gabinete para trabalhar sem bater ponto reserva uma perigosa concessão: autoriza os “assessores internos”, únicos teoricamente sujeitos ao ponto biométrico, a registrar presença manualmente em caso de problema no sistema, por esquecimento ou qualquer outro motivo. Assim fica fácil...
E os próprios?
O vereador Gideão Svensson (PR), único a votar contra o projeto, diz ter recebido vaias dos próprios servidores durante a votação. “Não querem bater ponto.”
Batendo cabeça
Além disso, a liberação de até dez “assessores externos” contraria Termo de Ajustamento de Conduta firmado, em 2014, entre a Casa e o MPES. Mas é defendido, novamente, por Moreira. “É muito mais produtivo que esse vereador tenha assessores realizando ações externas sob orientação do gabinete do que vereadores batendo cabeça em ações internas. É questão de bom senso. Cinco no gabinete está bom demais. Os gabinetes não têm espaço e só um computador.”
Mas então...
Se a justificativa para não bater ponto é não querer bater cabeça, não seria mais sensato reduzir o número total de assessores, como o TCES já recomendou diversas vezes? A presidente, Neidia, pretende colocar a proposta em debate, em setembro. Promete dar pano para manga.