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Triste é depender de Renan
Pobre do governo que depende de alguém como Renan Calheiros para respirar no Congresso e sobreviver politicamente. Ao longo da semana, o governo Dilma, com a base esfrangalhada numa Câmara “ingovernável”, deu reiteradas provas de que é nele, o presidente do Senado, que aposta todas as fichas para concluir a contento a votação do ajuste fiscal e reverter a aprovação de matérias que onerem ainda mais o combalido Tesouro.
Comandando mais uma vez a Casa revisora, o coronel de Alagoas há de fazer valer sua influência junto aos pares para desarmar a pauta-bomba vinda da Câmara e conter os incêndios ateados logo ali ao lado, por seu correligionário, Eduardo Cunha. Isso ao menos é o que esperam Dilma e seus articuladores.
A questão é que o homem incumbido da tarefa é tão confiável como um extintor de incêndio sem gás carbônico.
Em recente entrevista, Dilma atribuiu os crescentes atritos com o Legislativo à “volatilidade nas relações políticas que contaminaram o ambiente”. Ora, Renan é hoje, no Congresso, talvez o exemplo mais bem acabado do político volátil, que age conforme as exigências e conveniências do momento.
Trata-se, basicamente, do mesmo Renan que, não faz muito tempo, conspirava junto com a oposição, criticava a articulação do governo e a falta de diálogo da presidente; o mesmo que, não faz nem um mês, enxovalhou a política de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy, chamada por ele de “tacanha” em pronunciamento na TV Senado.
Se Cunha pode ser considerado o verdadeiro líder da oposição na Câmara, Renan foi alçado, de repente, à condição de verdadeiro líder do governo no Senado. Mas, se sua lealdade é questionável, o que dizer de sua autoridade moral para fazer contraponto a Cunha e exercer o protagonismo que lhe delegaram esta semana, como aquele que reconstruirá as pontes republicanas entre os dois Poderes e conduzirá o Congresso, serenamente, para fora da crise política em que se vê mergulhado?
Ultimamente, Renan deu para exigir o corte de ministérios e criticar de público o PT e o seu próprio PMDB pela política de apadrinhamento e de aparelhamento do Estado. Nem parece o mesmo senador especializado na distribuição dos “cargos e boquinhas” que agora condena, como se nada tivesse a ver com isso.
Além disso, é longa a ficha suja do alagoano. Para não nos estendermos muito, basta dizer que, em 2007, ele renunciou à Presidência do Senado para escapar da cassação. Ah, e claro, um “detalhe” importante: é um dos investigados pela Procuradoria Geral da República na Lava Jato. A banca em Brasília aposta que seu nome constará da lista de denunciados ao STF (talvez não na primeira), o que talvez explique essa reaproximação com o governo.
Mais que nunca, Renan e Planalto precisam se escorar um no outro, simbioticamente, para sobreviver. Renan talvez aposte que o Ministério da Justiça pode ajudar a limpar a sua barra. O Planalto, é certo, conta com a influência dele sobre alguns dos ministros do TCU (três dos nove são indicações do Senado), às vésperas do temido julgamento das contas de 2014 da presidente.
O mar, enfim, não está para moralismos no Planalto. Nunca antes na história do governo Dilma a sua governabilidade esteve tão a perigo. Sem escolha, a presidente e seus emissários sabem que necessitam da ajuda do instável Renan para voltar a equilibrar o jogo e, por isso, colocam-se nas mãos dele, promovendo, na última semana, uma corte escancarada ao senador, que envolveu ministros do governo e beirou a bajulação.
Ocorre que a mão que hoje afaga é a mesma que amanhã pode agredir, conforme a situação. O senador que hoje é bombeiro é o mesmo que amanhã pode voltar a mudar de lado e apagar o fogo com gasolina. Quando um governo se dobra dessa forma perante um “líder” como Renan Calheiros, tem-se a exata noção do quanto a crise é grave e do quanto o Planalto está acuado.
“O PETROLÃO É A RELIGIÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA”
Márlon Reis - Juiz eleitoral, sociólogo e escritor
Coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que culminou com a Lei da Ficha Limpa, o juiz eleitoral Márlon Reis (MA) lamenta profundamente a decisão da Câmara Federal de manter as doações de empresas para partidos – a seu ver, uma das fontes da corrupção e, por isso, alvo central do movimento hoje. Nesta entrevista, ele também comenta os resultados parciais da Operação Lava Jato. Confira:
Quais são as principais bandeiras do MCCE atualmente?
Nosso maior foco hoje é a proibição das doações eleitorais de empresas. Estamos acompanhando a reforma política, perdendo e apanhando no momento, porque o momento está terrível. Mas o volume imenso de dados de que dispomos, resultado de nossas pesquisas, prova o quanto é insustentável o atual modelo de financiamento de campanha. Essa é a base da nossa luta.
Por que o sr. acha que a proibição não passou na Câmara?
Isso é fruto de uma maioria de deputados eleitos justamente com base na manobra do abuso de poder econômico. Então, não me surpreende. O que nos resta é continuar acompanhando as votações, agora no Senado. E é bom lembrar que a votação em primeiro turno na Câmara está sub judice no STF, que ainda vai analisar um mandado de segurança movido por 61 deputados, de seis partidos.
Como o sr. avalia a Lava Jato?
É impossível negar a validade das investigações. Ninguém está criando fatos para prejudicar ninguém. O mais importante é o que nós vamos fazer diante das revelações. A Lava Jato não pode ser um fim em si mesmo, mas levar a mudanças sistêmicas. Temos que trocar o atual sistema político-eleitoral. Não é achar que, mudando uma pessoa por outra, nossos problemas serão resolvidos. O petrolão é o credo dos políticos, é a religião da política brasileira. Enquanto a religião não mudar, a oração vai seguir igual.
Só se necessário
O prefeito de Cariacica, Juninho, diz que está fora de seu radar a ideia de desfiliação do PPS e que tem linha direta com o presidente nacional da sigla, o deputado federal Roberto Freire (SP). Mas a relação com o prefeito de Vitória, Luciano Rezende, segue fria. “Dialogamos o necessário. Aquilo que não vejo necessidade, toco minha vida.”
Pequenez
Juninho não acredita que a decisão do governo estadual de levar o desfile de 7 de setembro de Vitória para Cariacica tenha tido o intuito de atingir Luciano. “Isso é muito pequeno para atingi-lo.”
Prestígio
Só este ano, o governador Paulo Hartung já participou de nove solenidades em Vila Velha e de cinco em Cariacica, cidades governadas pelos aliados Rodney Miranda (DEM) e Juninho. Em Vitória, prefeito e governador só aparecem juntos quando algum ministro vem ao Estado.
Só para lembrar
Esse Renan Calheiros a quem o Planalto agora confia a salvação do ajuste fiscal é o mesmo que, entre outros termos, classificou-o como um desajuste, insuficiente e irracional, um cachorro perseguindo o próprio rabo, um filme de terror sem fim que só penaliza a população.