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Bolsonaro versus a Constituição

Confira a coluna Praça Oito deste domingo (6)


Abordamos aqui, criticamente, no último domingo e na última segunda, o “fenômeno Jair Bolsonaro”, apontado por esta coluna como a negação em pessoa do Estado Democrático de Direito. A reação foi a esperada: muito barulho da patrulha ideológica bolsonarista. No entanto, em meio a certa histeria, alguns insultos e disparates, uma crítica muito pertinente sobressaiu: a coluna não explicou exatamente como nem por que o deputado contraria o Estado de Direito.

Muito bem: por entendermos que jornalistas, assim como os políticos, precisam estar abertos à crítica, explicar a nossa afirmação é justamente o que nos propomos fazer hoje. Por que Bolsonaro violenta o Estado de Direito? Basta ler o que o diz o texto da Constituição, logo em seus primeiros artigos – cláusulas pétreas que tratam de princípios fundamentais – e comparar com o que disse o deputado ao longo dos últimos 20 anos.

Foto: Amarildo

SOBRE A DEMOCRACIA

O que diz a Constituição

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

V - o pluralismo político

O que diz Bolsonaro

“Minoria tem que se calar e se curvar à maioria.” (Isso ele diz o tempo todo, em discursos para seus seguidores; virou um bordão)

O que diz a Constituição

Art. 1º, parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O que diz Bolsonaro

Em 1999, em entrevista ao programa Câmera Aberta, o jornalista pergunta ao deputado: “Se você fosse hoje o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?”

Sem hesitar, Bolsonaro responde: “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia. No mesmo dia! Não funciona! (...) Através do voto, você não vai mudar nada neste país. Absolutamente nada! Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com FHC. Não vamos deixar ele pra fora não! Matando! Se vai morrer alguns inocentes (sic), tudo bem.”

SOBRE A DIGNIDADE HUMANA

O que diz a Constituição

Art. 1º A República Federativa do Brasil (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana

O que diz Bolsonaro

No dia 9 de dezembro de 2014, da tribuna da Câmara, o deputado tratou o estupro – violência sexual inaceitável sob qualquer ângulo e atentado contra a dignidade humana – como se fosse questão de “merecimento” segundo critérios estéticos; uma distinção positiva que só as mulheres bonitas mereceriam dos homens. Por essa ótica, um homem querer estuprar uma mulher teria o valor simbólico de um elogio à sua beleza.

Discursando da tribuna da Câmara, disse ele à deputada Maria do Rosário (PT-RS), que fizera um pronunciamento contra a ditadura militar: “Não saia não, Maria do Rosário, fique aí! Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece”.

De fato, a discussão entre os dois ocorrera, não dias antes, mas em 2003.

Em entrevista ao jornal “Zero Hora”, Bolsonaro também afirmou: “Ela (Maria do Rosário) não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

Por tais declarações, Bolsonaro já foi condenado, em 1º grau, a indenizar a deputada, e transformado em réu pela Primeira Turma do STF, em 2016, sob a acusação de injúria e incitação ao estupro. “Imunidade (parlamentar) não é impunidade”, declarou a ministra Rosa Weber.

SOBRE DISCRIMINAÇÃO

O que diz a Constituição

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O que diz Bolsonaro (sobre gays)

Em 2002, quando a Câmara discutia o projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo, ele declarou: “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”.

Em 2010, em entrevista à “Veja”, Bolsonaro afirmou que os pais devem surrar os filhos com tendências homossexuais. A revista perguntou: “O senhor é contra homossexuais e a favor de castigos físicos?”

Na resposta, o deputado compara homossexualidade com bandidagem e defende que agressões físicas mudam a orientação sexual dos filhos. “Se o seu filho andar com baderneiro, vai virar bandido. Se andar com gay, vai ser ‘boiola’. Se eu tiver de dar um couro nele para evitar problema, vou dar.”

Em 2011, à “Playboy”, o deputado afirmou: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”. Disse ainda, em outro trecho: “Se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza”.

Ainda em 2011, em entrevista à Rádio Estadão ESPN, Bolsonaro associou homossexualidade a pedofilia (algo que ele faz com frequência) e a uma patologia:

“Estão estimulando o homossexualismo e abrindo as portas para a pedofilia.”

A entrevistadora o interpela: “Deputado, ouvindo o senhor falar, parece que a homossexualidade é uma doença”.

“Pra mim, é grave”, responde ele.

O que diz Bolsonaro (sobre negros)

No programa CQC, em 2011, a cantora Preta Gil pergunta ao deputado: “E se seu filho se apaixonasse por uma negra?”.

Bolsonaro fala em “promiscuidade”. “Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados.”

Já em palestra no clube Hebraica, no RJ, em abril de 2017, disse o deputado acerca de quilombolas: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem para procriador ele serve mais.”

SOBRE VIOLÊNCIA E TORTURA

O que diz a Constituição

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante

O que diz Bolsonaro

No fim de 1997, Bolsonaro comentou o massacre do Carandiru cinco anos antes em São Paulo, no qual 111 presos foram mortos. “Acho que a PM perdeu uma grande oportunidade de matar mil bandidos; já que houve (o massacre), que matassem mil”, disse o deputado.

Em dezembro de 1998, sobre a brutal ditadura chilena de Augusto Pinochet (1973-1990), que matou mais de 3 mil pessoas segundo números oficiais, o deputado afirmou à “Veja”: “Pinochet devia ter matado mais gente”.

Após deixar a Presidência, o ditador chileno foi alvo de mais de 300 ações criminais que vão de corrupção a assassinato. Em 1998, foi preso pela Interpol em Londres e só escapou de ser julgado na Espanha – pelos crimes de genocídio, terrorismo e torturas – por razões médicas: foi declarado mentalmente incapaz e extraditado para o Chile, onde deu um atestado de debilidade mental.

Em 1999, na já citada entrevista ao programa Câmera Aberta, Bolsonaro defendeu que houvesse um pau de arara em uma CPI no Congresso: “Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso”.

Já em dezembro de 2008, durante uma discussão com manifestantes, o deputado voltou a afirmar que “o erro (da ditadura) foi torturar e não matar”.

Por fim, em abril de 2016, na sessão em que a Câmara Federal autorizou o afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro dedicou seu voto a favor do impeachment a um dos mais conhecidos chefes do aparato de tortura durante o regime militar: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.

Morto em outubro de 2015, Ustra é o único militar brasileiro oficialmente declarado torturador pela Justiça. De 1970 a 1974, chefiou o Doi-Codi, órgão de repressão do 2º Exército, em SP, e foi apontado por dezenas de perseguidos políticos e familiares de vítimas do regime militar como responsável por perseguições, tortura e morte de opositores do Golpe de 64. A Arquidiocese de SP, por meio do projeto Brasil Nunca Mais, denunciou mais de 500 casos de tortura praticados dentro das dependências do Doi-Codi no período em que Ustra comandou o órgão.

ENTREVISTA COM RAFAEL FAVATTO, DEPUTADO ESTADUAL E PRESIDENTE ESTADUAL DO PARTIDO ECOLÓGICO NACIONAL (PEN)

O deputado estadual Rafael Favatto é o presidente do Partido Ecológico Nacional (PEN) no Espírito Santo desde a fundação do partido, que faz quatro anos agora em agosto. No Espírito Santo, o PEN tem quatro vice-prefeitos e 18 vereadores, sendo quatro na Grande Vitória. No plano nacional, hoje tem quatro deputados federais, mas espera eleger pelo menos 27 em 2018. Para isso, conta com o reforço de Jair Bolsonaro, que acaba de anunciar filiação ao partido, e dos outros deputados que devem migrar para o PEN no embalo do militar reformado.

O que muitos se perguntam é: afinal, o que Bolsonaro tem a ver com um partido que se diz defensor de causas ecológicas? É difícil identificá-lo como ambientalista. Na verdade, o próprio deputado se esforça em se afastar dessa bandeira, ao dar declarações como: “Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí”.

A entrevista de Favatto, no entanto, é bastante esclarecedora.

Como o ingresso de Bolsonaro no PEN influencia a vida do partido no ES?

Já estamos sentindo essa mudança da postura da população e até dos cabos eleitorais dele. Muita gente ligando, mandando mensagem desde o anúncio dele na Veja, para poder se filiar ao PEN. Hoje mesmo (quinta) recebi a ligação de uma pessoa de Linhares querendo se filiar e pedindo que a gente o leve também para o interior. Um grupo lá já está fazendo camisa com o nome do Jair Bolsonaro. Isso a gente está vendo não só aqui, mas no país todo. Já recebi ligações de Nova Venécia, Água Doce do Norte, São Mateus, também da Região Serrana e do Sul, Marataízes e Cachoeiro. Tenho sido procurado pelos grupos de apoio ao Bolsonaro nos municípios. Então está aumentando muito o movimento. Trabalhamos com uma estimativa de adesão principalmente por causa da entrada do Bolsonaro, mas não temos como precisar porque depende do cenário eleitoral. A meta nacional do PEN é de eleger 27 deputados federais (um por Estado). Eu sou candidato à reeleição a deputado estadual.

Qual é o tamanho da bancada do PEN na Câmara Federal hoje e quantos vocês esperam que ingressem no partido na esteira de Bolsonaro?

Hoje temos quatro deputados federais: dois do Rio de Janeiro, um do Maranhão e o Bolsonaro. Mas ele está trazendo outros 15 deputados federais.

Ligados a quais bancadas?

Ligados ao Jair Bolsonaro.

Quais são as principais bandeiras do PEN?

A principal bandeira defendida pelo PEN é a ecologia e a sustentabilidade. Mas agora estamos até marcando uma reunião do Conselho Político Nacional (órgão partidário que reúne os dirigentes nacionais, deputados federais e estaduais com mandato) para discutir a reformulação do programa e incluir algumas bandeiras do Bolsonaro.

Como quais, por exemplo?

Isso ainda está em fase embrionária. Mas ele é ligado ao patriotismo… Serão bandeiras ligadas ao mandato dele. Por consequência, o PEN deve incluir algumas no programa do partido também.

E a questão da defesa ecológica, como fica?

Ele não pediu que se retirasse. Pediu para que se mantivesse a bandeira ecológica no escopo partidário. Ele apenas pediu que fossem incluídas outras bandeiras que ele também trabalha para a questão presidencial no ano que vem.

A pergunta que todos se fazem: o que Bolsonaro tem a ver com a causa ambientalista?

Essa é uma questão de articulação do presidente nacional, Adilson Barroso, que é ligado também à igreja evangélica, com o Jair Bolsonaro. Eles já eram amigos. O presidente pediu que Bolsonaro também encampasse na sua campanha a questão de sustentabilidade. A partir daí ele se interessou pelo partido e isso culminou com a vinda dele para o PEN.

Insisto na pergunta: hoje Bolsonaro é identificado com a luta em defesa do meio ambiente?

Hoje ele não é identificado com a causa ambientalista. Mas nada o impede de se tornar um defensor das causas ambientais. Além disso, na página do presidente no Facebook, está sendo feita uma enquete sobre um novo nome para o partido. Há as opções Prona (mesmo nome do finado partido de ultradireita do finado Eneas Carneiro) e Patriota. O Patriota estava na frente.

O partido vai mudar o nome para Patriotas e receber várias adesões e filiações exclusivamente por causa da entrada de Bolsonaro. Isso não vai descaracterizar o PEN e transformá-lo numa espécie de “Partido do Bolsonaro”?

Na realidade, acho que não. Acho que depende das diretrizes partidárias. O estatuto do partido trata dos temas que o partido vai abranger. O que me despertou a entrar no PEN foram exatamente as causas sociais e ambientais. E o estatuto será preservado.

Mas se o partido vai mudar até o nome para ficar mais “compatível” com as ideias de Bolsonaro…

É, está sendo feita uma enquete. Não é só mudança do nome. Na verdade, vai ser uma junção da família do Eneas com o PEN e com o Bolsonaro.

A família do Eneas também está nesta aliança?

Sim, na mesma aliança.

Bolsonaro se elegeu pelo PP, mudou para o PSC e agora está no PEN. O PEN vai receber várias filiações de deputados que nada têm a ver com as ideias do partido, que agora pensa até em mudar o nome e o programa. Por que o eleitor não deve pensar que tudo isso não passa de casuísmo?

Na verdade, o deputado Jair Bolsonaro já vem com um projeto que ganhou vulto nacional onde ele tem as bandeiras de enfrentamento à corrupção e diversas bandeiras que ele tem trabalhado, o que culminou com o apelo por sua candidatura à Presidência da República. O PEN está aberto a essa nova aquisição que é o Jair Bolsonaro, encampando a sua candidatura à Presidência. Isso faz com que a meta do partido de eleger 27 deputados federais seja alcançada, junto com a preservação da ideologia do partido. O estatuto partidário está preservado. Nada vai se desvirtuar. O que foi feito foi acoplar o projeto do Jair Bolsonaro à meta do partido e à ideologia do partido, que será preservada, mas agora com o auxílio de um deputado de peso como Jair Bolsonaro.

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