• Últimas da coluna

Uma nova Reforma Protestante?

Quinhentos anos depois do gesto revolucionário de Martinho Lutero, evangélicos debatem se não está na hora de mudanças para que sejam resgatados alguns princípios de fé esquecidos ou negligenciados


Igreja reformada, e sempre se reformando 

*Kenner Terra

Foto: Amarildo

Há 500 anos, Martinho Lutero pregou suas 95 teses, no evento conhecido como ponto inicial da chamada Reforma Protestante. É importante frisar, porém, que essa história precisa ser vista em uma perspectiva de longa duração, que não começa e muito menos termina na Alemanha. Lutero foi favorecido por contextos social, cultural, econômico e religioso propícios para o desencadeamento de ondas transformadoras iniciadas na Europa e expandidas para todo o mundo.

O dia 31 de outubro contribuiu para o processo de formulação das Cinco Solas (sola scriptura, sola fides, solus christus, sola gratia e soli deo gloria) e, depois de 1517, a história da igreja cristã foi presenteada com figuras mais radicais e revolucionárias, como Thomas Müntzer, Andreas Karlstadt e os anabatistas, que defendiam posturas muitas mais “reformistas”.

A proposição de Gisbertus Voetius (1589-1676) “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est” (“Igreja reformada, sempre reformando-se”) deve ser levada até as últimas consequências. Por isso, também estamos no bojo do Semper Reformanda Est.

Avaliando a realidade da igreja atual, existe ainda muita covardia em voltar às Escrituras por medo de perder o poder sobre as massas piedosas. A Bíblia continua um risco para quem deseja manipular e domesticar, porque pode servir de fonte para críticas duríssimas contra estruturas de poder.

Michel Foucault, em “A Crítica”, lembrou que a origem da crítica moderna tem parte de suas raízes na proposta protestante de “somente as Escrituras”. O filósofo mostra-nos a fundamental contribuição do protestantismo para a postura subversiva diante de autoritarismos e injustiças.

Os desafios são outros, mas o “princípio protestante” precisa voltar a fazer parte da identidade das igrejas brasileiras, o que não permitiria leniência com corrupção, monopólios sociais, injustiças ou qualquer coisa que fira direitos.

Por ainda existir a segurança que não seja unicamente na graça, por causa da presença de diversos tipos de legalismos, a Reforma continua. Se nos anos de Lutero e antes dele as indulgências e penitências eram garantias infames para fiéis perturbados com o inferno ou enclausurados pela culpa, hoje encontramos o uso de formas não louváveis de mecanismos para acessar benesses eternas, beneficiando líderes e instituições cristãs.

Por conta disso, quando observamos certas posturas eclesiásticas em assuntos políticos e públicos, percebemos como a igreja precisa resgatar esse detalhe fundamental da tradição protestante, pois ainda cai no erro de se confundir com o Estado ou não consegue lidar equilibradamente com seu papel na preservação da pluralidade, laicidade, liberdade de consciência e tolerância na esfera pública. Os desafios estão bem vivos e a Reforma ainda está em andamento.

*É doutor em Ciências da Religião,professor e pastor protestante

Ainda é vantagem se dizer evangélico?

*José Caldas da Costa

Há poucos dias, inconformado com tanta bobagem feita e dita em nome da fé, mas distante dela, escrevi e compartilhei com alguns amigos um texto em que questiono se, realmente, nós, cristãos, ditos evangélicos, fazemos diferença no mundo atual.

Adoramos a dicotomia com os católicos e suas práticas e doutrinas (Lutero já dizia: “É melhor ser dividido pela verdade, do que ser unido pelo erro”), mas quantas vezes vamos de igual a pior, apenas com outros objetos e fins. Talvez não seja mais vantagem se dizer evangélico, pelos desgastes e maus exemplos. Afinal, estamos “bem representados” também na Papuda, na Lava Jato e em tantos outros escândalos país afora.

Sou evangélico, mas e daí? Se minha presença não muda o ambiente, que importa o rótulo?!

As questões levantadas por Martinho Lutero há 500 anos tinham uma razão de ser e um lugar aonde chegar: Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Sola Scriptura, Soli Deo gloria.

Ou seja, a salvação é pela graça de Deus, por meio da fé no sacrifício expiatório de Jesus Cristo, suficiente para nos redimir. Somente as Escrituras têm autoridade para nos ensinar o caminho dessa fé e somente a Deus é devida a glória, porque a Ele pertence a salvação.

Mas, e nós, para onde estamos indo? Estaríamos nós vivendo a profética Igreja de Laodiceia do Apocalipse? “Porque não és nem quente nem fria, vomitar-te-ei”. A quem damos glória? A quem confiamos nossa salvação, a nossa vida? Qual é a fonte de nosso saber?

Muito importunou-me a leitura recente do livro “A Igreja que festeja Jesus, mas escolhe Barrabás” (Rinaldo Fidêncio, AD Santos Editora). Não pelo conteúdo, mas também por ele, que me esbofeteia a todo instante, se é que me entendem.

Sigo Jesus enquanto tem festa e louvor, mas escolho Barrabás, quando se trata de comprometer-me com os ensinos do Mestre. Orgulhosamente, me denomino evangélico, mas, e daí?

O grande legado da Reforma parece ter ficado para trás, nos tempos idealistas dos missionários plantando igrejas e escolas para o povo num país dominado pelo analfabetismo – diz o cientista político Carlos Alberto Almeida que católicos e protestantes têm tradições educacionais distintas. Enquanto aqueles decidiram educar as elites, estes optaram por alfabetizar todo mundo para ler a Bíblia.

Mas isso hoje também parece fazer parte do passado, assim como a Igreja Reformada. Liberto que estou do cativeiro do pecado, sigo pelo deserto com o coração preso ao Egito; aceito como normais as ofertas e afagos da Babilônia e me conformo às representações diversas do Império Romano.

Que reformemos a Reforma, enquanto ainda há tempo. Já se passaram 500 anos. Afinal, como ensinou o teólogo holandês Gisbertus Voetius, no Sínodo de Dort (1618-1619), a “Igreja Reformada está sempre se reformando”.

*É jornalista, membro da 2ª Igreja Batistada Praia da Costa e estudou Teologia

Ver comentários