Publicado em 29/07/2019 às 17h59

Um dia após viver o pesadelo de ver a filha ser feita refém pelo próprio pai por mais de 16 horas no último fim de semana, em Resistência, Vitória, a dona de casa Lucimara Pereira Falcão, de 44 anos, agora é só alegria e gratidão. Com a pequena de apenas dois meses nos braços, mãe e filha não se desgrudam mais.

Enquanto amamentava a menina, Lucimara conversou com a reportagem na tarde desta segunda-feira (29) e contou como era a relação com o pai da criança, o ajudante de pedreiro Adilcimar Ribeiro dos Santos, 42. Aliviada em ver a filha salva, ela conta que chegou a pensar que a menina tinha sido morta pelo próprio pai. Agora, sonha que ela tenha um futuro melhor e afirma que não perdoa o ex-companheiro pelo o que ele fez. 

De acordo com a Polícia Civil, Adilcimar foi autuado em flagrante por privar a liberdade de seu descendente; cárcere privado; e lesão corporal na forma da Lei Maria da Penha. Ele foi encaminhado ao Hospital Estadual de Atenção Clínica (Heac), em Cariacica, e assim que receber alta médica será encaminhado para o Centro de Triagem de Viana.   

REENCONTRO    

"Há muitos anos, no passado, quando éramos novos, nós namoramos. Depois nos afastamos e cada um viveu sua vida. Eu casei e tive duas filhas - que hoje possuem 9 e 20 anos. E há cerca de um ano nós nos reencontramos e decidimos ficar juntos de novo. Logo nós fomos morar juntos e eu engravidei. Achei que estávamos retomando uma boa relação que foi interrompida no passado.       

Antes, nós morávamos no bairro Grande Vitória, também na capital. Mas ele viu essa casa em Resistência e disse que seria bom porque não precisava pagar dois aluguéis para entrar. Eu ainda perguntei: 'tem certeza? Porque é o mesmo bairro que o meu meu ex-marido mora com as minhas filhas.' Ele disse que sim, que seria melhor para eu ficar mais perto delas, pois as meninas teriam acesso a nossa residência e meu ex não precisaria mais ir na minha casa levá-las e nem eu precisaria ir na casa dele."

BOA RELAÇÃO

"Ele era um ótimo marido e um ótimo pai. Ele trabalhava fora e mesmo assim me ajudava arrumando a casa, lavava as louças. Depois que tive nossa filha, não sei se foi algum problema na veia, mas eu perdi um pouco a força das mãos. Então ele que lavava e torcia as roupas. Eu sei que não são todos os maridos que fazem isso. Era tudo perfeito. Só o ciúme atrapalhava."

CIÚMES

"Ele era muito ciumento. Achava que eu ainda tinha alguma coisa com meu ex-marido. Como minhas filhas moram com o pai, ele sentia ciúmes quando eu ia visitar. Mas eu falava que eu separei do meu ex para ficar com ele. Eu dizia que nunca iria traí-lo. Mas ele era uma pessoa que sempre queria atenção. Todo lugar que eu ia, tinha que ir com ele. E isso as vezes me sufocava. Eu dizia para ele que eu também precisava de espaço. Se eu fosse na casa da minha irmã e demorasse, ele achava ruim. Achava que eu estava encontrando o meu ex. 

Ele falava que tinha medo de me perder, porque depois que me reencontrou, não queria mais que a gente ficasse longe. Ele dizia: 'eu já te perdi uma vez, agora não quero te perder de novo'. Eu achava isso estranho porque fui casada por muitos anos e não tinha isso de ciúme. Eu podia ter meus amigos e sair para onde quisesse, sem dar satisfação. Mas com ele eu sempre tinha que dar satisfações para onde eu ia ou era motivo de briga."

BRIGA

"No sábado, ele questionou que quando ele me encontrou na rua, voltando do trabalho, me perguntou para onde eu ia e eu não respondi. Ele achou que não dei atenção a ele, porque não parei para conversar, falei com ele andando. Ele não gostou. Uma coisa muito banal... Eu achei que estava tudo bem, porque ele até riu para mim. Mas quando voltei, ele já reclamou. Nós brigamos e ele saiu para beber. Quando retornou, já estava agressivo. Ali eu já vi que tinha algo errado. 

Ele já começou a reclamar dizendo que eu tinha fechado o portão sabendo que ele estava na rua. Mas foi ele mesmo que trancou. Ele começou a gritar comigo por nada. Foi quando eu disse que daquele jeito não dava mais para viver junto. Ele estava muito bêbado. Aí ele disse que quando eu o conheci, ele já bebia. Mas ele não bebia dessa forma.

Quando eu falei que não dava mais, ele falou que no dia seguinte iria trabalhar e levar nossa filha. Falei que não, aí ele reclamou: 'você pode sair com a minha filha e eu não posso?'. Respondi que a filha era nossa, que ele poderia sim passear com ela, mas não para boteco e nem para o trabalho. A discussão continuou e eu disse que queria dormir, falei que eu não estava aguentando mais. "

AMEAÇA

"Aí ele disse: 'se você separar de mim, eu vou matar a menina'. Minha filha de 9 anos até ouviu. Eu perguntei se ele estava ameaçando nossa filha de morte e ele disse que eu estava inventando. Até perguntei à minha filha de 9 anos se ela também tinha ouvido a ameaça e ela respondeu que sim. Ele ficou mais nervoso e foi buscar a faca no quarto. Eu acho que ele já estava premeditando algo, porque as facas ficam no faqueiro, na cozinha. Minha filha estava no meu colo, mamando. Ele pegou a menina no meu colo e disse: 'Agora eu vou cumprir o que eu falei'.

Minha filha de 9 anos ficou desesperada. Com um braço ele segurava a nenê, com a outra mão ele segurava a faca e fazia gestos como se estivesse esfaqueado a menina. Eu pedi para ele não fazer nada. Mandei minha filha de 9 anos ir para a casa da irmã mais velha. Ela estava desesperada, com medo que ele realmente matasse a irmã mais nova, mas saiu da casa porque eu pedi. Eu cheguei a implorar ao Adilcimar: 'Se você quer fazer algo, faz comigo, não com a minha filha'. Aí ele disse: 'Com você? Jamais! Eu vou fazer com a minha filha. Vou matá-la e me matar depois. Nem eu e nem você irá ficar com ela'.

REFÉM

"Ele me mandou sair da casa e eu neguei. Aí ele disse que sairia com a menina. Falei que estava muito tarde e sereno. Aí ele saiu com a menina e a faca pela rua. Nesse tempo, cheguei a pensar que ele iria sumir com a minha filha ou matá-la e eu nunca mais a veria. Comecei a chorar quando minha filha de 20 anos chegou com a de 9. Mas ele não demorou e retornou. Ele ficou com mais raiva quando viu que minha filha de 20 anos ficou sabendo o que estava acontecendo. Ele entrou e logo se trancou por dentro com um cadeado que eu não tenho chave. 

A partir daí, ele fez mais ameaças. Dizia que iria matar a menina e ainda passava a faca pelo pescoço dela. Hoje, mais calma, consigo lembrar que ele não usou o lado da lâmina. Porque se ele usasse, cortaria a menina, porque ela tem a pele bem fininha. Mas eu estava tão cega que não percebi na hora. A minha filha só chorava, só chorava." 

PENDURADA

"Foi quando ele foi para o terceiro andar e, pela sacada, ameaçou jogar a minha filha falando para os vizinhos: 'Toma aí a filha da vagabunda'. Ele segurou as duas perninhas dela, com ela de cabeça para baixo, pendurou a menina para o lado de fora, do terceiro andar. Ele balançava a menina pelos pés e gritava para os vizinhos: 'Agarra aí, agarra aí'. Eu achei que ele ia jogá-la, foi quando estiquei a coberta da menina para tentar pegá-la. Depois os vizinhos trouxeram um colchão. Quando viu, ele ameaçou mais: 'Vocês querem pegar? Eu vou jogar! Agarra aí a filha da vagabunda'".

DESPEDIDA

"Ele me chamou pra ir no portão e me mostrou a faca, enquanto ele encostava na minha filha. Na hora eu pensei: 'ele matou minha filha'. Porque ele encostava a ponta da faca mesmo na pele dela (choro). O tempo todo eu achei que ele mataria minha filha. Em certo momento ele colocou a bebê na grade e mandou que as duas irmãs mais velhas a beijassem como despedida. Achei que o pior iria acontecer. Depois ele entrou e passou a madrugada toda com ela. A menina dormiu de tanto chorar." 

NEGOCIAÇÃO

"A polícia chegou e logo começaram as negociações. Eu cheguei a ficar esperançosa no início. Mas as horas foram passando, passando... Eu pensava: 'por que ele não se entrega e acaba logo com isso?'. O tempo todo eu pedia à Deus para acalmar o coração dele. Nunca o vi daquela forma, parecia que ele estava surtando. Eu não consegui dormir em nenhum momento. Fiquei mais de 24 horas acordada. Eu não sei como foi a negociação. A polícia não me disse e eu não podia ficar perto. A única coisa que falaram é que esperavam que ele cansasse." 

MENSAGEM

"Enquanto fazia a menina refém, ele enviou uma mensagem para minha filha mais velha, que dizia: 'avisa a sua mãe que agora ela só tem duas filhas e não três'. Naquela hora eu pensei: Minha filha morreu. Ela está morta. Ele também ligou, mas a polícia orientou não atender, não ligar e não ler as mensagens." 

BANHO

"Eu tinha deixado as roupinhas da minha filha dentro da banheira, de molho. Quando eu vi o vídeo, que parecia que ele estava lavando a roupa da menina na tarde de domingo, achei que ele tinha matado minha filha e estava lavando a roupa suja de sangue. Aí depois olhei melhor e vi que eram as roupas que eu tinha deixado de molho. Ele não estava lavando roupa. Na verdade, ele passou as roupas da banheira para um balde. Para usar a banheira dando banho na menina.

Tanto que quando cheguei em casa, depois de tudo, vi que a banheira estava dentro de casa e ele ainda tinha feito a barba com a mesma água que deu banho nela. Ele ainda fez comida para almoçar. Eu não sei quantas mamadeiras ele deu para a bebê. Os policiais enviaram um leite para a menina, mas acho que ela rejeitou. Depois eu enviei meu leite pela manhã, através dos policiais. Mas se continuaram alimentando ela depois, eu não sei explicar. Quando a peguei no colo, depois de tudo, ela começou a mamar e não parou mais. Essa era minha preocupação, porque eu sei que ela mama toda hora. "

LIBERDADE

"Eu não vi quando ele se entregou, mas foi um médico que segurou a menina. Quando eu a vi, de longe, gritei 'minha filha' e quase desmaiei. Eu entrei na ambulância que ela estava e foi nesse momento que o pai dela saiu da casa, mas eu não vi. Naquele momento eu só agradecia a Deus o tempo todo. Só agradeci por mais uma oportunidade da vida minha filha. Minha filha nasceu de novo. Quando eu a peguei no colo, abracei, beijei e falei: 'Por que o seu pai fez isso?'. Ele não matou a minha filha fisicamente, mas em pensamento ele matou." 

TRAUMA

"Meu medo é que minha filha fique traumatizada. Por isso eu quero ver logo um acompanhamento psicológico pata toda nossa família, inclusive minhas outras filhas que presenciaram todas as ameaças." 

PERDÃO

"Eu não o perdoo pelo o que ele fez com a minha filha. Ele poderia se matar, mas que deixasse a filha dele bem. Ele pode me pedir perdão, mas nesse caso sou muito dura. Não perdoo." 

FUTURO

"Querendo ou não, um dia a minha filha  irá saber o que ela passou. Então eu prefiro eu contar do que ela saber pelos outros. Eu vou falar: O seu pai errou. Ele quase te matou. Agora resta a você aceitá-lo como pai ou não. Porque naquele momento, ele foi um monstro. Mas tem filho que mesmo tendo um pai visto como monstro, perdoa e o aceita. Eu sei que ele ama a filha, mas a partir do momento que ele fez isso, ele mostrou para muita gente que ele não era um pai, era um monstro. Então eu vou contar a verdade e deixar que ela decida, sem influenciar." 

SONHO

"Eu sonho que daqui para frente ela tenha uma vida feliz. Que ela seja uma menina alegre, brincalhona e que Deus dê um futuro bom para ela. Hoje eu poderia estar aqui lamentando a morte da minha filha. Mas graças a Deus é o contrário: só alegria em ter minha filha viva em meus braços. Só quero que ela tenha um futuro melhor e que não venha a sofrer ou se abater pelo o que ela passou com o pai nesse fim de semana. Só isso que quero para minha filha: um futuro feliz." 

"Eu não o perdoo pelo o que ele fez com a minha filha", diz mãe de bebê feito refém pelo pai em Vitória. Crédito: Ricardo Medeiros
"Eu não o perdoo pelo o que ele fez com a minha filha", diz mãe de bebê feito refém pelo pai em Vitória. Crédito: Ricardo Medeiros

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