Entrevista

"Quem julga o Lula é o eleitorado e não a Justiça", diz José Dirceu

Ex-ministro avaliou que o atentado ao candidato Jair Bolsonaro não deve mudar o rumo da disputa pela Presidência e que o PT deve eleger a maior bancada na Câmara

Fernando Madeira

Condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro, o ex-ministro José Dirceu (PT) lançou, nesta segunda-feira (10), em Vitória, o livro "Zé Dirceu. Memórias  - Volume 1". Antes do evento, ele concedeu entrevista coletiva à imprensa.

Apesar da condenação em segunda instância, o petista segue em liberdade, enquanto aguarda o julgamento de recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-presidente Lula (PT), também condenado pelo TRF-4, segue preso. E é nessa tecla que o ex-ministro bateu com frequência, lembrando que a decisão do STF foi para autorizar a prisão após a condenação em segunda instância, mas não para determiná-la em qualquer caso.

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E foi além: "É evidente que a questão da corrupção... mas a questão da corrupção não acredito que desgaste a democracia. Cada um tem que responder por isso perante o eleitorado. O eleitorado julga. Por isso que defendemos que o Lula seja candidato. Quem julga o Lula é o eleitorado e não a Justiça. A Justiça ainda não o julgou em última instância".

"Se for prender todo mundo condenado em segunda instância não há cadeia no Brasil", complementou Dirceu. 

O ex-ministro ainda avaliou que o atentado ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) não deve mudar o rumo da disputa pela Presidência da República e que o PT deve eleger a maior bancada na Câmara dos Deputados. Dirceu ainda criticou o comandante do Exército, general Villas Bôas, que afirmou que a legitimidade de um novo governo pode ser questionada. "Se o Judiciário e as Forças Armadas vão ditar o que pode e o que não pode no Brasil, fora da lei e da Constituição, deixou de ser uma democracia", afirmou o petista. 

CONFIRA A ENTREVISTA COLETIVA:

No processo eleitoral temos tido episódios de violência de ambos os lados, até antes da campanha. Há algo a temer em relação às eleições? Recentemente houve a fala de um general dizendo coisas que estariam contra o que a Constituição diz que é papel do Exército...

Ela eleição está maculada, manchada, pelo impedimento ilegal e inconstitucional do presidente Lula. Inconstitucional porque, até o trânsito em julgado, ele não pode ser considerado culpado, além do fato de que ele não é culpado. E também a lei eleitoral permite todos os atos de campanha até o último recurso quando impugnado. Está claro lá, é o artigo 16, que está sendo violado pelo próprio TSE e por ministros do Supremo

A violência, infelizmente, é diária no Brasil mas não é da política. Você tem assassinatos de vereadores, às vezes de prefeitos, de parlamentares, mas isso não é generalizado no país. Não existe um estado de guerra, o país vive uma disputa política. O que acirrou foi o golpe, que rasgou o pacto social.

Há é um ou outro incidente. Evidentemente que o atentado contra o candidato Bolsonaro não é um incidente, é isso, um atentado. Mas é um cidadão, que tudo indica, com sérios problemas mentais. Não tem nenhum caráter político isso.

Agora, isso não tem nada a ver com o debate político. Não é porque ele sofreu um atentado que nós vamos deixar de protestar, discordar das propostas dele. Vocês viram que ele fez o símbolo de um fuzil metralhadora no hospital. O fuzil metralhadora hoje está nas mãos do crime organizado. Não sei porque se vai estimular fuzil metralhadora hoje no Brasil se a gente não tem controle das fronteiras.

E o uso das forças armadas para combater o crime organizado se mostrou uma falácia. Isso é no mundo todo. Não resolveu na Colômbia, não resolveu no Peru, no México, e não vai resolver aqui.

Não vejo que haja violência generalizada nem ódio na campanha eleitoral. Nós somos vítimas, o PT, de uma perseguição política, de uma perseguição jurídica e da inabilitação do Lula para concorrer a uma eleição como o candidato que ganharia a eleição no primeiro turno. É uma eleição manchada, com uma nódoa. Os organismos internacionais, a imprensa internacional, reconhece isso.

Você não deve pregar o ódio, não deve pregar a violência. Mas nunca pregamos ódio e violência. Se tem alguém que governou pelo consenso, acordo, diálogo, foi o presidente Lula.

Muito se fala de uma certa crise da democracia, uma falta de apreço pela democracia, não só no Brasil. Essa crise não se deve também à falta de entregas (no sentido do que a democracia entrega à população) e à corrupção verificada também em regimes democráticos?

Fora da democracia nossa experiência é trágica. Vivemos o Estado Novo, com Getúlio Vargas, de 1937 a 1946, e uma ditadura militar de 1964 até 1985/88. A mais grave consequência da ditadura é a falta de democracia. Democracia se constrói, são leis, são regras. Você tem que praticar. A única saída para a democracia brasileira é a reforma política, que o Congresso não quer fazer.

E o país que é considerado modelo de democracia, não por nós, mas é considerado, os Estados Unidos, metade do eleitorado não vai votar. A maioria dos países em que o voto não é obrigatório a abstenção é de 40%, 50%. É evidente que você tem razão. Se o regime democrático não se mostra à altura da demanda, dos anseios da população, em termos de bem estar social ... agora, tem responsáveis. Não é a democracia. É a maioria parlamentar de direita, que vota leis que não redistribuem a riqueza do país. Ou faz uma estrutura tributária que beneficia os ricos, que não pagam imposto. E destinam recursos para pagar dívida, juros altíssimos, sendo que esses recursos deveriam estar em saúde e educação.

Não estou pedindo para quem ganha mais pagar mais e quem ganha menos pagar menos. Mas tem que ser na mesma proporção. Não posso ganhar R$ 100 mil e pagar 10% de imposto e quem ganha R$ 1 mil pagar 30%, como acontece hoje no Brasil. O problema não é da democracia, é das maiorias que se formam no parlamento, que não atende às demandas.

É evidente que a questão da corrupção ... mas a questão da corrupção não acredito que desgaste a democracia. Cada um tem que responder por isso perante o eleitorado. O eleitorado julga. Por isso que defendemos que o Lula seja candidato. Quem julga o Lula é o eleitorado e não a Justiça. A Justiça ainda não o julgou em última instância.

Mas a corrupção é um crime. Não cabe então à Justiça julgar?

O Lula não foi julgado ainda. A segunda instância manda prender mas isso não é impositivo, é autorizativo. Se for prender todo mundo condenado em segunda instância não há cadeia no Brasil. Lula não está condenado em última instância pelo suposto crime que lhe atribuem e não há provas desse crime.

O que este livro traz e por que está sendo lançado neste momento?

Porque foi quando ... estou em liberdade e pude lançá-lo. Ele ficou pronto em meados de 2017. É interessante ser lançado neste momento porque discute, faz um balanço do governo Lula. Ainda não escrevi sobre 2007-2015, vou escrever no segundo volume. Mas de qualquer maneira traz um histórico sobre a ditadura, sobre a campanha das diretas, a campanha do PT, o primeiro governo do Lula. Ajuda o debate. Além de eu escrever isso para as gerações futuras. Escrevi isso para a minha filha, que hoje tem 8 anos. Para ela conhecer pela minha mão a história e não só pelo que se diz a meu respeito.

No segundo volume vou fazer uma defesa sobre o mensalão e sobre a Lava Jato.

O atentado sofrido pelo candidato Jair Bolsonaro pode mudar o rumo da disputa eleitoral?

Não. Não acredito que vá mudar o rumo da eleição. As pesquisas, a partir de sexta-feira vão ser mais indicativas. E eleição é sete de outubro. Estamos na era da informação e o eleitorado, uma parcela, não tem candidato ainda ou está votando branco ou nulo. E tem muito candidato que mais da metade do eleitorado dele pode mudar de posição, ao contrário do eleitorado do Bolsonaro e do Haddad. Quase 2/3 do eleitorado do Haddad não muda de posição e do Bolsonaro um pouco mais não muda de posição. Do Lula 80% e poucos não mudaria de posição. É natural que caia o voto espontâneo para o Lula porque o eleitorado já sabe que ele não será candidato.

O PT também já sabe que o Lula não será candidato. Por que a demora em substituí-lo pelo Haddad?

A Justiça não quer que o Lula seja candidato. Quem tem que decidir se o Lula é candidato ou não é a Justiça, não somos nós. Queremos que ele seja e o povo quer. Se ele tem 40% ele ganha a eleição no primeiro turno. Esse ônus tem que ser da Justiça, não pode ser do Lula e nosso. Isso aí já é pedir demais para nós, retirar o nome do Lula. Ele vai sair quando a lei mandar, e a lei manda dia 12. Hoje é 10. Dia 12 ele será substituído pelo Haddad, como já anunciado.

Como o partido vai sair dessa eleição?

Ele vai sair como o partido mais votado para a Câmara dos Deputados, como o é desde 2002. As pesquisas já indicam isso. Vai fazer uma bancada um pouco maior no Senado e na Assembleia Legislativa e vai estar muito bem posicionado para as eleições de 2020. E tem condições de levar o Haddad ao segundo turno. Se vai levar ou não, é disputa política.

O senhor que já falou que o Judiciário é o culpado pela crise em que se encontra o país, gostaria que falasse sobre isso e dia 12 o Haddad se torna o candidato ... o senhor apoia o Haddad? Considera que ele é bom para o partido?

Excelente. Tem compromisso com o nosso programa, com o legado do Lula, tem o apoio do Lula, tem o nosso apoio, mas não vou fazer campanha. Não sou dirigente do PT nem participo da coordenação da campanha. Como cidadão vou manifestar meu apoio a ele.

Com relação ao Judiciário eu falei do sistema político eleitoral. O STF tem grande responsabilidade. Declarou inconstitucional a cláusula de barreira e isso custou muito para o país. E acabou com a fidelidade partidária, instituiu e depois foi acabando, se o partido autorizar (a troca de partido), o que é uma piada, se o partido mudou o programa, quer dizer, a Justiça vai dizer se o partido mudou o programa, e, por último, a criação de partidos. Evidentemente, acabou a fidelidade partidária.

O mais grave que o Judiciário fez é que o Congresso havia decidido que o fundo partidário seria definido da seguinte maneira: 5% para todos os partidos e 95% em cima do voto da última eleição, que no mundo inteiro é assim. No Brasil deram 1/3 para dividir igual e essas legendas se alugam. Muita responsabilidade tem (a Justiça eleitoral) e ainda pela urna eletrônica e o resultado da eleição. Agora, o que não pode é legislar, que é função do Congresso. Vira e mexe a Justiça eleitoral legisla, mas é problema do Congresso Nacional também, que não se impõe.

Eu não falei sobre o general Vilas Bôas. É evidente que está completamente fora da lei, da Constituição, o pronunciamento dele, em qualquer país do mundo. Não cabe ao comandante do Exército falar nada. É estranho porque não fala sobre a Embraer, sobre Alcântara, sobre o pré-sal, sobre os problemas do país, que são gravíssimos, mas fala sobre o processo eleitoral? Quem deve ou não ser candidato, quem pode ou não ser candidato ... Isso a Constituição não permite. Acho estranho o silêncio do Judiciário, do próprio presidente da República porque ele que é o comandante em chefe das Forças Armadas e a lei é clara. Isso é um grave precedente. Se o Judiciário e as Forças Armadas vão ditar o que pode e o que não pode no Brasil, fora da lei e da Constituição, deixou de ser uma democracia.

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